Despedida

Aos 81, morre Glória Abdo, militante histórica da luta dos bancários e do sindicalismo cidadão

Glória Abdo – pioneira da causa feminista no mundo do trabalho, do sindicalismo cidadão, da dignidade da pessoa idosa – é parte das conquistas dos bancários e da luta democrática do Brasil

Alessandra Anselmi/Revista Portal da Divulgação
Alessandra Anselmi/Revista Portal da Divulgação
Glória abominava a expressão "melhor idade". Foi referência em causas feministas no mundo do trabalho, mãe solteira, duas vezes, avó orgulhosa e eternamente inquieta em defesa da vida e da dignidade

São Paulo – A ex-presidenta da Associação dos Bancários Aposentados de São Paulo (Abaesp), Maria da Glória Abdo, morreu neste domingo (6) na capital paulista, aos 81 anos, depois de anos de luta contra um câncer. Glória militou no movimento sindical bancário durante toda sua trajetória profissional no setor, iniciada após ingressar por concurso na Caixa Econômica estadual. O banco de fomento fundado no início do século passado virou banco múltiplo em 1990, transformado em Nossa Caixa. Em 2008, foi adquirido pelo Banco do Brasil. Com o negócio, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitou a privatização do banco estadual.

Os aposentados da antiga Nossa Caixa tinham em Glória Abdo uma referência. Fosse em campanhas em defesa da população idosa ou contra ataques a direitos de trabalhadores, da ativa e aposentados – tanto nos governos neoliberais dos anos 1990 quanto no pós-golpe de 2016. Glória gostava de conversar, de namorar e festejar. Toda última sexta-feira do mês reunia companheiros de sua geração no baile dos aniversariantes do mês. Na Abaesp, ficava brava quando frequentadores afoitos passavam da hora de fechar o salão, 18h. Mas ficava feliz quando os mais jovens do sindicato, vizinho à associação, na Rua São Bento, pediam emprestada a mesa de sinuca para depois do expediente.

O movimento bancário foi passaporte para a luta política. Nascida em dezembro de 1938 em Ponta Porã (MS), Glória Abdo radicou-se em São Paulo em 1960. Ingressou no banco por concurso e lá se aposentaria três décadas depois. Começou a trabalhar em 1964 no prédio da Rua 15 de Novembro, no Centro Velho. Filiada ao Partido Comunista Brasileiro, o antigo PCB, em 1980 esteve entre os primeiros integrantes do recém-fundado Partido dos Trabalhadores. Feminista e socialista, Glória combinou ativismo político com a criação de duas filhas nascidas de “produção independente”.

Melhor idade?

Para a ex-bancária, ter sido mãe solteira por duas vezes, uma em 1967 outra em 1980, era motivo de orgulho. Adorava ser mãe e avó. E com o decorrer do tempo, a militância sindical no ramo financeiro foi ficando pequena para sua inquietude. Achava que os sindicatos podiam usar sua representatividade para influenciar a vida dos trabalhadores também fora de seus locais de trabalho. Como cidadãos. Foi, portanto, também pioneira do conceito de sindicato cidadão que marcou a reinvenção do movimento trabalhista após a redemocratização.

Em entrevista ao site do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Glória observava: “Este sindicato é um sindicato que nós podemos chamar cidadão, porque se envolve não só nas questões salariais dos bancários como também se envolve nos assuntos da cidadania e da democracia. Foi um dos que mais lutou contra a ditadura e luta ainda hoje contra este governo que está aí, de uma pessoa que não tem capacidade de governar“. Assista:

Inquieta

Maria da Glória Abdo fez da Associação dos Bancários Aposentados um ponto de referência da luta em defesa da população idosa. Convidada a ajudar a organizar esse segmento dos trabalhadores nos anos 1990 – por Gilmar Carneiro, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo – ela construiu um grande capital político e humano. Abominava a expressão “melhor idade”, eufemismo usado pelo marketing para amenizar o momento mais delicado da vida das pessoas, justamente quando passam a ingressar numa rotina de fragilidade física, intelectual e social.

“Melhor idade?! Melhor idade é quando você passa na frente de uma
construção e te assobiam. Isso sim é melhor idade. Atualmente não estão
assobiando para mim, mas vão voltar a assobiar, ah, se vão…”, disse numa entrevista concedida à revista digital Longeviver. Glória fala também sobre seu engajamento na causa dos idosos em âmbito local (moradia e lazer) e federal – batalha por formulação de políticas públicas. E também nas causas das mulheres, dos jovens e da inquietude contra as injustiças que marcou sua vida.

“Perdemos uma das pessoas mais lutadoras que conheci. Fica a saudade e o bom exemplo de dignidade”, disse o ex-deputado e ex-ministro nos governos de Lula e Dilma, Ricardo Berzoini, ex-presidente do sindicato. “Lembrarei de você sempre de duas formas : incansável na luta por igualdade social e livre. Como a Glorinha era livre!!! Uma mulher sem amarraras”, escreveu a atual presidenta da entidade, Ivone Silva.


Nota do Sindicato dos Bancários de S. Paulo, Osasco e Região

O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região lamenta profundamente a morte, ocorrida na madrugada de domingo 6, de Maria da Glória Abdo, Glorinha dos aposentados.

A despedida será no Velório Tatuapé (Rua David Zeiger, 330), Quarta Parada, das 14h às 17h.

Legado para o movimento sindical e social

Muito querida por todos do movimento sindical e social, Glorinha foi bancária da extinta Nossa Caixa e ainda lá, na década de 1970, liderou a luta das funcionárias pelo direito a creche, que futuramente inspirou o auxilio creche/babá, conquistado e adicionado à CCT (Convenção Coletiva de Trabalho), em 1981.

“Conhecemos a Glorinha, em 1976. Naquele ano, entraram dois mil bancários. Éramos uma molecada cheia de gás e com muita vontade de lutar e ela nos acolheu de pronto. Fazíamos um jornal clandestino chamado de ” O Reunião” e esse jornal era a voz dos funcionários contra a direita do banco. Muitas vezes, nos reunimos na casa da Glorinha para definir e escrever o conteúdo do jornal. Nunca teve ou demonstrou medo. Corajosa, combativa e sincera, foi uma das pessoas mais engajadas na luta da categoria bancária. Não só das mulheres, mas de todos”, lembra Antonio Saboia, diretor do Sindicato e amigo de Glorinha.

Aposentados

 Glorinha também foi presidente da Abaesp (Associação dos Bancários Aposentados de São Paulo) e durante sua gestão (2013 – 2017), foi grande batalhadora pelos direitos da classe trabalhadora, em particular dos aposentados, defendeu a regulamentação da profissão de cuidador de idosos e debateu sobre políticas para pessoas idosas na cidade de São Paulo, na gestão Haddad.

Nascida em Mato Grosso do Sul, Glorinha mudou-se para São Paulo. E aqui foi reconhecida pela luta por igualdade e engajamento nos movimentos sociais com o título de Cidadã Paulistana.

O Sindicato agradece o legado e estende condolências a familiares e amigos.

Maria da Glória Abdo, presente!