Descaso

Com conselhos tutelares fora dos serviços essenciais, cresce risco de violência contra crianças

Imprescindíveis na garantia dos direitos das crianças e adolescentes, conselhos ficaram de fora dos serviços essenciais e atendem em plantões à distância

Antônio Cruz/ABR
Antônio Cruz/ABR
Ariel: 'É claro que os profissionais precisam de toda infraestrutura e de proteção, mas pessoas em situação de risco e vulneráveis precisam mais que nunca dos serviços públicos nesse momento'

São Paulo – O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) despreza a infância e juventude ao excluir os conselhos tutelares da lista de serviços essenciais durante as medidas de enfrentamento ao avanço do coronavírus. A opinião é do advogado e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) Ariel de Castro Alves.

De acordo com Ariel, Bolsonaro contraria recomendações do Conanda que tratam da necessidade de funcionamento dos Conselhos tutelares por meio de plantões.

“É inaceitável. O governo trata a área da infância e juventude com desdém, contrariando a Constituição Federal que determina prioridade absoluta dos direitos das crianças, adolescentes e jovens”, disse, ressaltando que muitos conselhos estão funcionando em regime de plantões a distância.

Essa forma de atendimento, no entanto, é insatisfatória e dificulta o acesso de quem necessita desse atendimento. “É claro que os profissionais precisam de toda infraestrutura e de proteção, mas pessoas em situação de risco e vulneráveis precisam mais que nunca dos serviços públicos nesse momento”.

O conselheiro lembrou da necessidade de facilitar o acesso principalmente por meio da internet, para que as pessoas consigam dar andamento às denúncias e pedido de providencias. E também por meio telefônico. “Senão vira um pânico geral e as pessoas ficam sem saber para onde ir e o que fazer. Sites, aplicativos e sistemas de telefônicos específicos para esse período deveriam ser criados, com todo cardápio de serviços e programas à disposição em cada cidade e bairro. As pessoas não acompanham diários oficiais”.

Conforme o artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselho tutelares têm, entre outras atribuições, atender crianças e adolescentes, aconselhar os pais ou responsável, requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações, encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente.

Um exemplo prático é a inclusão em programas sociais de famílias com crianças sem alimentação, sofrendo violência. “No momento, aquelas com suspeita de contaminação, se não receberem atendimento diretamente nos serviços públicos precisarão da atuação dos conselhos tutelares”, disse Ariel.

Isolamento

Ariel chamou atenção para o fato de que agressões e violências tornam-se mais comuns em meio a medidas restritivas, como o isolamento das famílias em suas casas. Tanto é que recentemente a Unicef também alertou para o problema.

https://nacoesunidas.org/covid-19-criancas-enfrentam-risco-maior-de-abuso-e-negligencia-em-meio-a-medidas-de-contencao/

Isso acontece, segundo ele, porque as pessoas ficam mais tempo em casa, e os conflitos domésticos aumentam. Pessoas mais vulneráveis – mulheres, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiências – ficam subjugadas aos agressores.

“Além da tensão, depressão e alcoolismo, que se intensificam em razão da crise de saúde, humanitária, econômica e social. Um barril de pólvora para as violências domésticas. Em geral, 70 % das violências contra crianças e adolescentes ocorrem nas próprias residências”, disse Ariel.

É assim porque, com o isolamento social a situação tende a piorar. E os agressores sabem que os serviços policiais, sociais, de proteção e judiciais estão funcionando precariamente nesse período.

Ariel destacou ainda que as mazelas sociais tendem a se agravar diante da incompetência dos governos municipais, estaduais e federal – até porque, segundo ele, os serviços e programas sociais já estavam sofrendo intenso processo de precarização nos últimos quatro anos.

Cuidado

Lembrando que o isolamento social é preventivo e para garantir a vida das pessoas, principalmente dos idosos e pessoas com doenças crônicas, que podem morrer diante da contaminação, o ex-integrante do Conanda lembrou que a Constituição Federal determina que o Estado brasileiro promova o bem de todos.

Assim, as políticas sociais mais que nunca precisam ser priorizadas. “Só um Estado forte e não o estado mínimo podem dar respostas efetivas nesse momento. Renda básica mais do que nunca é necessária. E para garanti-la deve-se não só taxar, mas confiscar as grandes fortunas.”

“Em momentos de colapso social e humanitário interesses individuais devem ser restringidos em nome dos interesses públicos e coletivos. Quem acumulou fortunas, imóveis e poupanças deve sucumbir aos interesses sociais coletivos. Está dentro das provisões constitucionais do estado brasileiro de promover o bem de todos e a dignidades das pessoas. Além da previsão expressa de taxação das fortunas que nunca foi colocada em prática desde a Constituição de 1988″.

Ariel lembrou ainda que as autoridades de saúde recomendam isolamento, quarentena e distanciamento social, mas que as pessoas em situação de rua continuam pelas ruas. “As medidas voltadas ao acolhimento das crianças, adolescentes e famílias em situação de rua são urgentes. Manutenção da alimentação escolar ou pagamento em dinheiro para suprir. Muitas crianças e adolescentes dependem da alimentação das creches e escolas. Hotéis e prédios privados e públicos devem ser utilizados para acolher as pessoas. Elas nas ruas podem ser contaminadas e também podem transmitir para outras pessoas.”


Leia também


Últimas notícias