‘Reforma penal deve ser objeto de reflexão com a sociedade’, diz professor

São Paulo – Uma mudança efetivamente consistente no Código Penal deve ser resultado de uma reflexão acentuada, com participação da sociedade. Essa é a opinião do professor de direito penal […]

São Paulo – Uma mudança efetivamente consistente no Código Penal deve ser resultado de uma reflexão acentuada, com participação da sociedade. Essa é a opinião do professor de direito penal da PUC-SP, Antonio Carlos da Ponte, que é procurador de justiça do Ministério Público.

“Primeiro teríamos que fazer uma reflexão filosófica para daí proceder a modificação”, avalia. “É importante não focar em uma discussão secundária, como o tempo de pena, mas pensar em que bens jurídicos devem ser protegidos”.

O jurista concedeu uma entrevista exclusiva para a Rede Brasil Atual. Confira

Qual a necessidade de reformulação do Código Penal?

A crítica que temos um Código Penal ultrapassado e que isso por si só justificaria mudança é equivocada. Ele tem uma parte muito consistente, resultado de um processo de reforma, ocorrido em 1980. Fora isso tem uma parte geral que necessitaria de um redirecionamento. Hoje uma parte dos crimes está prevista no Código Penal e uma parte muito grande está prevista em legislação extravagante. O ideal seria que todo crime estivesse previsto no corpo do Código Penal porque isso faz com que haja mais consistência no âmbito legislativo.

Com a reforma nós teremos de fato um Código Penal mais moderno e robusto?

O projeto inova em pontos importantes e em outros assume uma postura benevolente. Uma reforma penal tem que ser objeto de uma reflexão acentuada, travada com a própria população. Primeiro teríamos que fazer uma reflexão filosófica para daí proceder a modificação. Se temos um sistema punitivo que se mostra por vezes falho em relação a crimes como o colarinho branco a legislação precisa atender a essa demanda. Porém, é importante não focar em uma discussão secundária, como o tempo de pena, mas pensar em que bens jurídicos devem ser protegidos.

As alterações prevêem uma flexibilização do aborto, que passaria a ser permitido em caso de feto com anencefalia ou por vontade da gestante até a 12ª semana de gestação, quando o médico constatar que ela tem condições psicológicas para a maternidade. Isso representa um avanço no legislativo?

Nossa legislação é muito restritiva quanto ao aborto, mas essa é uma questão muito delicada que tem que ser vista com um cuidado muito grande. É a típica situação que deveria ser muito discutida no parlamento. É necessária uma avaliação como um todo.

Foram incluídos alguns tipos penais, como o enriquecimento ilícito. Qual sua opinião sobre isso?

Acho que a comissão merece todos os aplausos. Já era hora disso se tornar crime no Brasil, porque é um problema que parte do princípio que o Estado foi insuficiente em punir determinadas condutas que atentam contra o patrimônio público. O rigor da pena para quem atenta contra a administração pública deve ser acentuado, pois este tipo de crime desenvolve política perversa, porque socializa a miséria e privatiza o lucro.

O novo projeto também abre espaço para novas penas alternativas.

Sim e isso é uma política adequada. O mais correto é manter a pessoa em liberdade, submetendo-a a penas alternativas. O cárcere deve ser sempre a última opção. No entanto, sou contrario a penas alternativas a crimes graves, que não podem ser entendidos apenas como aqueles com violência e grave ameaça. Existem crimes graves sem violência, como crimes contra a administração pública.

A inclusão de pena para tráfico de pessoas é uma medida alinhada com os desafios modernos?

Sim, e também com as novas formas de criminalidade. O tráfico de pessoas tem várias vertentes: para prostituição, trabalho escravo, etc. Por isso é uma posição acertada da comissão, que vem em boa hora.

As penas para racismo foram intensificadas e o bullying foi incluído como tipo penal. Essas alterações também representam avanços?

Tenho uma posição muito particular sobre esse tema: não temos que ter vários artigos ou leis cuidando de formas de discriminação. Isso é um equivoco. O que o direito penal precisa enfrentar é a intolerância, nas suas mais diferentes formas.