Sempre em construção

Margarida Genevois contra tempos sombrios: ‘Somos todos responsáveis pela democracia’

Ativista recebeu prêmio de direitos humanos que leva o nome de Dom Paulo. A procuradora Eugênia Gonzaga, exonerada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, também foi homenageada

Museu da Pessoa/CC0
Museu da Pessoa/CC0
Margarida Genevois lembra a dureza do golpe de 1964, principalmente após o AI-5: 'Certas mentes doentias chegam a propor sua reedição'

São Paulo –Aos 96 anos, Margarida Genevois pede desculpas por não ficar em pé ao receber o Prêmio Dom Paulo Evaristo Arns de Direitos Humanos, concedido pela prefeitura de São Paulo. Mas caminha com desenvoltura no salão da Praça das Artes, na avenida São João, enquanto lembra dos 25 anos em que trabalhou com o cardeal, que morreu há três anos, “o maior brasileiro da segunda metade do século 20”. Aplaudida de pé, diz se sentir “apenas representante de companheiras e companheiros” do movimento de direitos humanos, desde os tempos da Comissão Justiça e Paz, que ela presidiu duas vezes. Atualmente, é presidenta de honra da Comissão Arns, criada no início do ano.

Margarida lembra que a CJP (criada em 1972) atuou durante a vigência do AI-5 – que completa 51 anos hoje (13) – e lembra, sem citar nomes, que “certas mentes doentias chegam a propor sua reedição”. Também se referiu a jovens que atuaram na época da ditadura, que para alguns podem ter cometido erros, mas “eram idealistas e queriam um mundo mais justo para todos e não apenas para uma minoria privilegiada”.

A ativista não foi a única homenageada na noite de quinta-feira (12). A procuradora regional da República Eugênia Gonzaga ganhou o prêmio Alceri Maria Gomes da Silva, que homenageia uma militante assassinada em 1970, em São Paulo, dias antes de completar 27 anos. Em agosto, Eugênia foi tirada da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que presidiu durante cinco anos, após fazer críticas ao governo. Ao receber a premiação, afirmou que “existem instituições que funcionam e dão seguimento a projetos tão importantes”.

Não há paz sem justiça

O prêmio foi criado em 2016, por recomendação da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura, que encerrou os trabalhos naquele ano e tinha ontem de seus integrantes, o jornalista e escritor Camilo Vannuchi. A procuradora fez homenagem ao também jornalista Audálio Dantas, que presidiu o colegiado e morreu em maio do ano passado. Ela também cita a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, que recentemente foi preterida no Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Eugênia diz que é função do Estado buscar memória e verdade. “Está na Constituição que o débito é do Estado e da sociedade.”

O prêmio que leva o nome de Dom Paulo teve ainda duas menções honrosas: para o ex-deputado Jean Wyllys, que decidiu deixar o Brasil após receber seguidas ameaças de morte, e para a Ponte Jornalismo, agência de comunicação com foco em segurança pública e direitos humanos, representada por Maria Teresa Cruz. Já o deputado enviou mensagem na qual afirmou que nunca foi tão necessário “recuperar para as novas gerações o horror da ditadura”, considerando a cerimônia de ontem “um ato de resistência”. O prefeito Bruno Covas (PSDB) foi representado pela secretária adjunta de Direitos Humanos e Cidadania, Marisa Fortunato.

Não existe paz sem justiça, diz Margarida Genevois, quase ao final do ato, que também teve a presença do vereador Eduardo Suplicy, do ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa paulista, e do procurador da República Marlon Weichert. “Nos tempos sombrios que vivemos hoje, no Brasil e no mundo, é importante deixar claro que somos todos responsáveis pela democracia”, afirma Margarida, acrescentando que essa democracia está “sempre em construção”.

Ela disse acreditar na educação como formação “que atinge coração e mentes”, com valores como tolerância e respeito. E cita expressões sempre usadas por Dom Paulo: “Coragem” e “paz e bem”, uma saudação franciscana. “Vamos todos lutar por democracia, pela justiça e pela paz”, pede Margarida.


Confira reportagem da TVT:

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