Quem manda?

STF derrota Bolsonaro e decide que Funai deve demarcar terras indígenas

Dirigente do Cimi considera vitória politicamente importante, mas alerta que tendência continua sendo de esvaziamento da Funai

Ascom/STF
Ascom/STF
Para Celso de Mello, Bolsonaro comete "inadmissível e perigosa transgressão ao princípio da separação de Poderes"

São Paulo – “Quem demarca terra indígena sou eu. Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus.” Esta afirmação é do presidente da República Jair Bolsonaro, em junho. Mas esse não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Nesta quinta-feira (1°), por unanimidade (10 votos a 0), o plenário da mais alta corte do país decidiu manter a demarcação com a Fundação Nacional do Índio (Funai). O ministro Alexandre de Moraes não participou da sessão.

A decisão confirma de maneira contundente uma liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso também em junho, contra as tentativas governamentais, por medidas provisórias, que transferiam as demarcações para o Ministério da Agricultura. A liminar de Barroso se deu em resposta a ações de PSB, PT e Rede.

Em seu voto, o ministro e decano Celso de Mello foi taxativo. “O comportamento do atual presidente revelado na atual edição de medida provisória rejeitada pelo Congresso no curso da mesma sessão legislativa traduz uma clara, inaceitável, transgressão à autoridade suprema da Constituição Federal”, disse, seguindo entendimento de Barroso.

Bolsonaro publicou uma medida provisória, em janeiro, retirando a competência das demarcações de terras da Funai. Depois, o Congresso Nacional decidiu manter a atribuição com a Funai, e a lei decorrente da MP manteve a competência com o órgão. Após a decisão do Parlamento, o presidente editou em seguida outra MP, desconsiderando o Legislativo, o que levou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como presidente do Congresso, a interromper o andamento da nova MP.

Celso de Mello afirmou que a insistência do Planalto é “uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes. Parece ainda haver na intimidade do poder hoje um resíduo de indisfarçável autoritarismo”. O decano questionou: “A Constituição está acima das medidas provisórias? Ou as MPs acima da Constituição?”

A derrota do governo com os 10 a 0 no julgamento é sobretudo política. Na prática, o presidente da República deve manter a política contra os indígenas e continuar tentando impor a postura “quem manda sou eu”. Não por acaso, Bolsonaro recém-nomeou como novo presidente da Funai o delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier da Silva, ligado  à bancada ruralista.

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, considera a decisão do STF importante politicamente. Mesmo assim, destaca que “a tendência (sob Bolsonaro) é de esvaziamento da Funai. “Mas, mais do que o esvaziamento, preocupa o movimento de instrumentalização política por parte de setores do agronegócio, o que é evidente com a nomeação de Marcelo Xavier, indicado pela bancada ruralista.”

A decisão do Supremo já era esperada pelas comunidades indígenas. “Porque considerávamos as medidas provisórias ilegais, inconstitucionais. Nos alegramos com a decisão, que confirma que as medidas do governo atentam contra a Constituição”, diz Buzatto. “É evidente que a gente tem plena consciência de que a manutenção do  poder de demarcação na Funai não muda a posição política do governo.”

Leia também

Últimas notícias