contra o golpe

Ato por democracia ocupa Rua Maria Antônia 48 anos depois da ‘batalha’

Em 1968, a via foi palco de uma batalha entre os estudantes do Mackenzie, defensores da ditadura iniciada em 1964, e os da USP, que se opunham ao regime ditatorial

Suamy Beydoun/Futura Press/Folhapress

Manifestantes contra o golpe pintaram faixas e cartazes no próprio local da manifestação

São Paulo – Uma manifestação em defesa da democracia convocada por estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie ocupou na noite de ontem (23) a Rua Maria Antônia, na Vila Buarque, região central da capital paulista. O local é significativo por ter sido palco de uma batalha entre opositores e defensores da ditadura civil-militar há 48 anos, quando foi morto o estudante secundarista José Carlos Guimarães.

Em 3 de outubro de 1968, estudantes do Mackenzie, simpatizantes do regime militar, e da Faculdade de Filosofia da USP entraram em confronto naquela rua, onde ficavam as duas instituições. A fachada do prédio da USP foi destruída e parcialmente incendiada. Houve dezenas de feridos e José Carlos Guimarães foi atingido na cabeça por um tiro de revólver.

José Carlos era aluno do Colégio Marina Cintra, na Rua das Consolação, perto dali. Oficialmente, foi dado como vítima de bala perdida. Mas segundo relatório do grupo Tortura Nunca Mais, o estudante foi assassinado por um informante da polícia, Osni Ricardo, integrante da organização paramilitar Comando de Caça aso Comunistas (CCC).

Ouça também, da Rádio Brasil Atual, reportagem de Marilu Cabañas com personagens da manifestação de ontem e também da batalha de 1968.

“Neste momento é importante ocupar todos os espaços para defender a democracia. E este espaço tem um significado especial”, afirmou a estudante de Jornalismo do Mackenzie Michelli Oliveira.

A universidade não permitiu que os estudantes utilizassem o espaço do campus para o ato e colocou seguranças para cuidar do acesso, lembrando a postura que teve em 1968, quando fechou os portões durante a repressão da Polícia Militar aos estudantes que se opunham à ditadura. “É lamentável que, mais uma vez, o Mackenzie se coloque do lado daqueles que pretendem novamente nos jogar num estado de exceção”, criticaram os estudantes, em manifesto.

“O sistema Judiciário tem repetidamente ignorado a Constituição Federal e o código de processo penal a fim de colocar o poder Executivo contra a parede. É assustadora a escalada de intolerância, ódio e violência destinada não só ao governo federal, mas a todo o campo progressista”, diz o manifesto.

Segundo o documento, mesmo diante da devassa feita no governo federal, nenhum crime pode ser imputado à presidenta Dilma Rousseff e à sua administração. “A oposição golpista, talvez em razão das seguidas derrotas nas eleições presidenciais, joga no lixo todo o processo democrático, ignorando 54,5 milhões de votos, e tenta, de qualquer modo, e ao custo de paralisar o país, derrubar um governo democraticamente eleito e assumir a Presidência da República à revelia do Estado democrático de direito”, diz o texto.

Palavras de ordem como “não vai ter golpe” e “Eduardo Cunha na cadeia” foram gritadas pelos alunos, que levantaram cartazes criticando a cobertura da mídia sobre a crise política e decisões do juiz federal Sérgio Moro.

O vice-presidente da Liga do Funk, Bruno Ramos, ressaltou que não se trata de defender um partido, mas sim um projeto. “Pode fazer buzinaço, panelaço. Barulho de panela na quebrada hoje é de panela cheia, ‘tá ligado’. Esse projeto melhorou a vida pra ‘nóis’ na favela. Não vai ser ‘no gogó’ que esses caras vão ganhar não.”

O crescente movimento de ocupação dos mais diversos espaços por diferentes grupos sociais em defesa da legalidade democrática e contra o golpe para destituir o governo eleito de Dilma Rousseff animou Raimundo Bonfim, integrante da Frente Brasil Popular. “Estamos contentes de estar pipocando atos em todo lugar, independentemente do movimento social. Queremos que a luta tome praças, universidades, periferias, que seja feita por artistas, juristas e estudantes. Isso é fundamental para deter o golpe”, afirmou.

No sábado (26), a frente vai iniciar uma ação de mobilização nas periferias. Na segunda-feira (28), organizará um “acampamento em defesa da democracia” no centro da capital paulista.

Professores paulistas presentes ao ato lembraram o momento ímpar da história brasileira. “Não vão nos impor uma ditadura como (os magistrados) Sérgio Moro e Gilmar Mendes querem fazer. Não aceitaremos um reforma política feita pelo Judiciário. Reforma tem de ser com assembleia constituinte eleita pelo povo”, afirmou a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel

O ato teve momentos de tensão, sobretudo quando um grupo de jovens pró-impeachment que estava em um bar a poucos metros do ato arremessou uma lata de bebida contra os manifestantes. Pouco depois, um estudante que saiu da universidade gritou e fez gestos ofensivos contra os manifestantes, o que iniciou um pequeno tumulto.

RBA
Parte do grupo que hostilizou os manifestantes com xingamentos e bombas de São João

Um dos defensores do impeachment lançou uma bomba junina conhecida como bujão em direção ao grupo que se manifestava em favor da democracia.

Naquele momento discursava Tamires Gomes Sampaio, vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) e primeira negra a ocupar presidir o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Mackenzie. Ela foi xingada e insultada pelo grupo que pede a destituição de Dilma.

O ato foi encerrado, mas um pequeno grupo de manifestantes resolveu responder às provocações e houve um início de tumulto. Outro bujão foi arremessado, o que aumentou a tensão, mas a multidão foi se dispersando sem que houvesse confronto.