Iguais

Pela primeira vez, imigrantes protagonizam debate sobre política nacional

Comigrar reúne representantes de 27 países e um apátrida em São Paulo. Ministro José Eduardo Cardozo afirma que Brasil enfrentará 'apartheid que alguns querem implantar'

josé cruz/abr

Ministro Cardozo destacou a tradição do Brasil de ser acolhedor

São Paulo – Imigrantes de 27 países e um apátrida participam neste fim de semana em São Paulo da Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (Comigrar), organizada pelo Ministério da Justiça depois de quase 200 encontros regionais. O evento é considerado um marco na formatação da política nacional de imigrantes por dar visibilidade à questão e voz às pessoas que escolhem ou precisam recorrer ao Brasil para viver.

Na noite de ontem (30), durante a abertura do evento na Casa de Portugal, no bairro da Liberdade, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que o Brasil tem uma tradição histórica de ser acolhedor. “O Estado brasileiro não abrirá mão dessa política e enfrentará o preconceito, a discriminação, o apartheid que por vezes vemos alguns quererem implantar.”

Leia mais

A boliviana Monica Rodriguez afirmou que a conferência é um momento que “entra para a história” por dar visibilidade ao tema. “Para nós, é uma festa, é um logro para nós que amamos este país. Nós, migrantes, não seremos mais invisíveis. Agradecemos”, declarou diante da plateia na abertura da Comigrar. Rodriguez ocupa uma das cadeiras recém-criadas e reservadas a imigrantes no conselho participativo municipal da cidade de São Paulo, o primeiro do país a garantir participação de estrangeiros na elaboração de políticas públicas.

O advogado congolês Marcel Kabeya está há seis meses no Brasil em busca de refúgio. Seu país vive um conflito sangrento e ele não se sente seguro lá. Kabeya resolveu participar das etapas preparatórias da Comigrar. “É muito demorado conseguir status de refugiado. Muitas pessoas passam situações muito difíceis. Acredito que a conferência é um espaço importante para dizer isso às autoridades”, afirmou.

A legislação vigente no Brasil que trata da questão da imigração foi construída durante a ditadura e encara o assunto como segurança nacional, legando à polícia federal a responsabilidade de fiscalizar a presença de estrangeiros no país. Isso, para imigrantes e militantes, gera criminalização. Segundo o ministro, a comissão de especialistas montada para elaborar um anteprojeto de lei para uma nova legislação na área entregou, esta semana, o texto, que está agora sendo avaliado pelo Executivo.

Na conferência serão realizados debates de grupos de trabalhos sobre a elaboração de políticas públicas com penetração municipal e estadual, além de federal.

O secretário nacional de Justiça do MJ, Paulo Abrão, listou uma série de ações que contornam as limitações legais enfrentadas atualmente no Brasil, como reforma no departamento de estrangeiros do ministério, o aumento na participação da sociedade, a criação do conselho nacional de imigração, a assinatura de diversos acordos internacionais, o próprio incentivo à reformulação da lei de imigração e o que chamou de enfrentamento da “tentação conservadora de fechamento de fronteiras” após o aumento do fluxo de haitianos para o país.

O representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, Andrés Ramirez, apontou que, enquanto países da Europa e os Estados Unidos discutem legislações para restringir a entrada de estrangeiros, o Brasil vai no caminho inverso e discute a garantia de direitos aos imigrantes.

Apesar dos avanços, Abrão avalia que o Brasil tem três déficits estruturais importantes no que se refere à sua política migratória: déficit democrático, com a impossibilidade de participação em instâncias democráticas – a legislação não permite voto e elegibilidade a estrangeiros, sequer em sindicatos –, déficit administrativo e institucional e déficit de integração na rede de serviços, com capacitação de funcionários para atender diferentes perfis de nacionalidade.

Trabalho conjunto

Durante a Comigrar, a secretária estadual de Justiça e da Defesa da Cidadania, Eloísa Arruda, o secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Rogério Sottili, e Abrão assinaram um termo de cooperação entre União, estado e município para receber de forma organizada os imigrantes haitianos.

No exterior, o governo federal deve se empenhar em aumentar a emissão de vistos humanitários em Porto Príncipe, Quito, no Peru, e na República Dominicana, por onde passam os haitianos antes de chegarem ao Brasil, para que cheguem ao país já com documentos, além da realização de campanhas de conscientização. No Acre, porta de entrada desses estrangeiros a ação de documentação também será reforçada, e será criado um centro de acolhimento em Rio Branco, onde será feita a intermediação para a obtenção de trabalho e a partir de onde será feita a “mobilidade assistida” para outras regiões do país.

Em São Paulo, o governo do estado promete inaugurar em setembro um centro de referência na Barra Funda, que centralizará toda a emissão de documentação necessária para haitianos e imigrantes de outros lugares. A prefeitura da capital paulista também promete a construção de um centro de acolhida que, além de garantir estadia, oferecerá atendimento psicossocial, formulação de documentos.

STF

O ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, afirmou que não é candidato ao Supremo Tribunal Federal. A vaga será aberta no final de junho quando o atual presidente, ministro Joaquim Barbosa, deve se aposentar. Cardozo disse que leu nos jornais sobre a suposta cotação de seu nome. Questionado se aceitaria um possível convite, declarou que quem decide é a presidenta Dilma Rousseff, que deve escolher com “absoluta liberdade e sobriedade”. “Eu não sou candidato ao Supremo, sou candidato a permanecer no Ministério da Justiça enquanto a presidenta Dilma quiser.”