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Proposta de nova lei de imigrações é aprovada por movimentos sociais

Texto elaborado por grupo do Ministério da Justiça prevê retirar da Polícia Federal controle do tema, com redução da burocracia. Estudiosos dizem que temores sobre mercado de trabalho são infundados

Leonardo Benassatto/Futura Press/Folhapress

A proposta prevê a criação de uma Autoridade Nacional Migratória para reduzir a burocracia

São Paulo – A comissão de especialistas criada pelo Ministério da Justiça para elaborar um anteprojeto para uma nova lei de imigrações apresentou e debateu hoje (6), em audiência pública na Universidade de São Paulo, na capital paulista, a primeira versão do texto, que visa a “mudar o espírito” vigente, pautado pela Estatuto do Estrangeiro, formulado em plena ditadura e que vê o imigrante como um problema a ser evitado.

Tal visão estaria na base das dificuldades surgidas pelo fluxo recente de haitianos ou pelos embates durante a implementação do programa Mais Médicos, que trouxe profissionais estrangeiros para trabalhar em locais com escassez de mão de obra nacional. Isso porque, nos dois casos, os problemas são provocados pela burocracia exigida, que dificulta ou impede o exercício pleno da cidadania.

A proposta da comissão, composta por André de Carvalho Ramos, Aurélio Veiga Rios, Clèmerson Merlin Clève, Deisy de Freitas Lima Ventura, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva, José Luis Bolzan de Morais, Paulo Abrão, Pedro de Abreu Dallari, Rossana Rocha Reis, Tarciso Dal Maso Jardim e Vanessa Oliveira Berner, agradou a movimentos sociais, a imigrantes e a entidades da sociedade civil que tratam do assunto. Nas avaliações feitas durante a audiência, ficou claro que a proposta confere direitos aos imigrantes, equiparando-os a cidadãos brasileiros em vários aspectos, retirando da competência da Polícia federal o trato do assunto.

A proposta prevê a criação de uma Autoridade Nacional Migratória subordinada ao Ministério da Justiça. O órgão reduziria a burocracia para obtenção e substituição de vistos e garantiria a inclusão social e o respeito aos direitos humanos dos estrangeiros que optarem por vir para o Brasil ou dos refugiados que buscam o país, além de assegurar que que toda a família direta de um imigrante também possa vir para o país.

Entre as inovações está a criação de um visto para pessoas que desejam procurar emprego no país. Atualmente, isso não é possível, já que a entrada está condicionada a trabalho, estudo ou turismo, com permanência menor. Outro avanço é a possibilidade de uma autorização de circulação para estrangeiros que vivem em região de fronteira. A ideia é que essas pessoas que moram em outros países, mas usam serviços públicos brasileiros, como escolas e hospitais, possam transitar em cidades fronteiriças sem ser incomodadas.

Se mantido como está durante sua tramitação e aprovação, o texto pode se tornar uma referência internacional sobre a questão dos deslocamentos humanos, exatamente por vê-los de maneira positiva. “Eliminou-se o vocabulário da segurança nacional, o vocabulário do risco e se incorporou o vocabulário dos direitos humanos, do direito internacional, da possibilidade e da desejabilidade das fronteiras regionais, da cooperação, do fortalecimento dos laços sociais que unem os brasileiros e os povos vizinhos e assim por diante”, afirma Rossana Reis, membro da comissão e professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Para os especialistas, a imigração só acontece para lugares em que há condições de desenvolvimento para quem migra. Dessa forma, em um ambiente de falta de emprego, por exemplo, a imigração diminui. Por isso, os temores de alguns setores da sociedade em relação ao mercado de trabalho brasileiro não seriam pertinentes. “Quando não tiver emprego, não vai vir ninguém. Migrar não é uma coisa fácil, as pessoas não deixam suas famílias e seu país se não tiverem um bom motivo para vir. A razão que traz as pessoas é a vitalidade da economia, uma coisa que só nos beneficia. Ninguém aqui está torcendo para que a economia gere menos empregos”, diz Rossana.

Uma lei não serve para controlar fluxos migratórios. Mas uma lei pode servir como desculpa para operar opressivamente contra fluxos migratórios”, observa o diretor do departamento de estrangeiros do ministério, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva.

Apesar da aprovação, a proposta recebeu várias sugestões na audiência pública. Alexandre Bento, secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por exemplo, apontou a redução da representatividade dos trabalhadores no conselho. Hoje, esse conselho tem quatro trabalhadores e a proposta é que tenha apenas um.

A peruana Tânia Berni, presidente do centro de arte e cultura andina, pediu a criação de um órgão autônomo para tratar da questão do imigrante, em vez da manutenção do vínculo institucional com o Ministério da Justiça.

A reclamação mais recorrente trata da manutenção da relação de dependência financeira dos familiares com o imigrante que obtém um visto de trabalho ou estudo. Para a professora Deisy de Freitas Lima Ventura, a intenção é que a lei não crie essa relação, mas será preciso esclarecer isso melhor no texto.

Outras sugestões para o projeto em discussão podem ser enviadas por qualquer pessoa até o próximo dia 23, por meio do e-mail [email protected]. A ideia é que o texto mais amadurecido com as contribuições seja apresentado na 1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (Comigrar), entre os dias 30 deste mês e 1º de junho. Depois, deve ser entregue ao Ministério da Justiça, que poderá fazer modificações e encaminhará ao Legislativo, onde seguirá sua tramitação.

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