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Construção de aeroporto na zona sul de São Paulo é enigma para moradores da região

Moradores de Parelheiros e Embu-Guaçu se dividem entre os que acham iniciativa positiva para criar empregos, os que temem devastação ambiental e fim da tranquilidade, e os que desconhecem projeto

Região onde o aeroporto seria implementado não tem nem asfalto na única via de acesso, a estrada de Jaceguava <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Os moradores da região não contam com linhas de ônibus nas proximidades e fazem o trajeto de terra a pé <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Há muitas árvores e vegetação secundária crescendo no local. Mas prevalecem os eucaliptos da área de extrativismo <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Um lago divide a área do aeroporto de um loteamento residencial de alto padrão onde há 1.385 lotes <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Cristiane Silva não acredita que o aeroporto vá trazer algum benefício para a população local <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>David José avalia que a região já foi devastada e construir o aeroporto não vai prejudicar mais <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Claudinei Bucch teme pelas nascentes existentes no local onde o empreendimento será construído <span></span>Desempregado, Carlos Diego defende que qualquer possibilidade de criar empregos é válida em Embu Guaçu <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Ângela Fernanda e Fernando Matos temem o impacto ambiental e no sossego da região em virtude das centenas de voos diários <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Willian Moraes avalia que se vai ter de mudar a legislação para um aeroporto, era melhor realizar outras coisas na região <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Daniel Rodrigues está empolgado com a perspectiva de valorização do seu imóvel com a construção de um aeroporto <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Para Marluce Oliveira, a oferta de empregos vai ser precária e as boas vagas vão ficar fora da região <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>"Qualquer coisa que dê alguma oportunidade para a população vai ser boa", avalia Irineu Lourenço <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>Embu-Guaçu necessita de ações de desenvolvimento e criação de empregos, defendeu Celso Batista  <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>O aeroporto devia ser uma obra para todos, tanto ao emprego como quanto ao uso, acredita Maria Angélica <span>(Danilo Ramos/RBA)</span>

São Paulo – Moradores do distrito de Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, e da cidade vizinha de Embu-Guaçu não têm clareza sobre a proposta de construção de um aeroporto privado na região. A RBA entrevistou 40 pessoas no entorno do terminal de ônibus de Parelheiros e na Praça da Matriz, no centro do município vizinho. As respostas minam o argumento dos defensores da ideia, de que a maioria da população anseia pelo empreendimento.

Muitos dos entrevistados imaginam que o aeroporto seria “um novo Congonhas”, com voos comerciais regulares e para uso de todos, e ficam decepcionados com a informação de que somente proprietários de aviões ou de helicópteros, ou quem possa pagar um serviço de táxi aéreo, poderão utilizar o local.

A faxineira Cristiane Silva Bezerra, 41 anos, levou o sobrinho para o aeroporto de Guarulhos no último fim de semana. Foram gastos R$ 80 e cinco horas só para chegar lá. “A gente também quer aproveitar o progresso. Mas isso aí não vai ser para os pobres”, afirmou. Ela foi além, questionando a criação de empregos de um modelo restrito de viagens aéreas. “Vai empregar quem isso aí!? Quero saber de aeroporto para rico não”, reclamou.

O aeroporto de Parelheiros é um projeto da Harpia Logística, dos empresários André Skaf – filho do pré-candidato ao governo de São Paulo e presidente da Fiesp, Paulo Skaf – e Fernando Augusto Botelho, herdeiro do grupo Camargo Corrêa.

A obra ficaria em uma área de quatro milhões de metros quadrados, numa região conhecida como Fazenda da Ilha. Ocuparia cerca de 15% deste espaço com o empreendimento e o restante seria transformado em dois parques. Tem a expectativa de criar dois mil empregos diretos e operar 154 mil voos mensais, de helicópteros e aviões de pequeno porte, transportando passageiros e cargas.

O empreendimento ficaria próximo das Áreas de Preservação Ambiental Capivari-Monos e Bororé-Colônia – em um espaço considerado em restauração – o que é criticado por biólogos e urbanistas. As árvores de grande porte são, no entanto, quase todas eucaliptos, remanescentes de uma área de manejo que existia ali. A represa de Guarapiranga e o rio Embu-Guaçu ficam praticamente ao lado de onde será a construção.

A vendedora Angélica Maria Silva, de 23 anos, vinda de Recife, Pernambuco, há seis anos, também achou absurdo não ser um aeroporto comercial. “Mas qual a utilidade disso, se ninguém aqui vai poder usar? Vai ser igual o Rodoanel, só para os outros e nada para os moradores”, questionou.

O trecho sul do Rodoanel, inaugurado em 1º de abril de 2010, liga a rodovia Régis Bittencourt, na zona oeste da capital, ao complexo viário Jacú-Pêssego, na zona leste. Os 61 quilômetros da via cortam a zona sul de São Paulo, passando pelos distritos de Parelheiros e Grajaú, mas passam sobre avenidas e ruas locais sem qualquer alça de acesso para os moradores da região.

A justificativa foi a mitigação do impacto ambiental – já elevado por conta das milhares de árvores derrubadas na construção da via – pois os acessos poderiam promover grande movimentação de veículos na região.

A exclusão dos moradores sobre o uso do aeroporto, apontada por Angélica, também é verossímil. Uma viagem de avião privado, de São Paulo a Ubatuba – no litoral norte – custa, em média, R$ 1.300, para quatro pessoas. O trajeto tem cerca de 160 quilômetros. Já o voo de helicóptero não sai por menos de R$ 800 a hora, para quatro pessoas.

Desenvolvimento

Parte das pessoas defende que o importante é o desenvolvimento local e que isso não está diretamente relacionado ao aeroporto. “Hospital cria empregos também. Um novo terminal de ônibus ou uma estação de trem, também. E iria beneficiar diretamente a população com sua utilização”, afirmou o preparador de recursos humanos Marcos Gabriel, de 19 anos, morador de Parelheiros.

Algumas pessoas afirmam que a criação de empregos para os moradores da região é uma falácia. “Emprego de quê? Pra gente varrer chão e limpar banheiro, só se for. A maior parte dos moradores não vai ter qualificação pra trabalhar ali. Precisamos pensar desenvolvimento que seja certo para a nossa região”, defendeu a missionária Marluce Oliveira, de 54 anos.

O economista Mauro Scarpinatti, integrante do Movimento Aeroporto em Parelheiros, Não!, concorda e avalia que é pouco provável que a população local seja beneficiada. Para ele, os empregos criados por um empreendimento desse tipo não dialogariam com as possibilidades da população local e acabariam sendo trazidas pessoas de outras localidades para trabalhar no aeródromo.

No entanto, boa parte dos entrevistados fica balançado pela perspectiva de abertura de postos de trabalho, mesmo que a quase totalidade das pessoas ouvidas não soubesse que existe uma perspectiva de criação de duas mil oportunidades de trabalho – segundo número da Harpia.

Para Carlos Diego de Oliveira, 32 anos, que distribuía currículos no centro de Embu-Guaçu, esse é o ponto. “Eu não tenho avião, então o que importa para mim é se vai criar emprego. Se vai criar cem, duzentos, mil, já está bom. Tudo que vier pra cidade é bom”, afirmou.

Essa é a principal argumentação em defesa do empreendimento. O vereador Ricardo Nunes (PMDB) avalia que os cerca de 120 mil habitantes de Parelheiros necessitam de oportunidades de trabalho, pois o desemprego é um dos mais graves problemas locais. “Tem muitos jovens precisando de oportunidades naquela região. Não podemos deixar a população abandonada. O impacto do empreendimento é muito baixo”, afirmou à RBA.

A proposta do aeroporto foi barrada pela prefeitura de São Paulo, em agosto do ano passado, com base na Lei de Uso e Ocupação do Solo, que define o local como Zona de Preservação Ambiental (Zepam). A empresa já havia obtido autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para operar o aeroporto, mas a legislação que autoriza, ou não, a construção do empreendimento é municipal.

A Harpia recorreu à Justiça para conseguir a autorização, mas também teve o pedido negado. Agora a empresa depende de uma alteração no Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo que permita a construção do aeroporto. O plano está sendo analisado pelos vereadores na Câmara Municipal da capital, onde ao menos quatro parlamentares são favoráveis à construção: Ricardo Nunes (PMDB), Antonio Goulart (PSD), Alfredo Alves, o Alfredinho (PT), e Milton Leite (DEM).

Recentemente, o líder do governo na Câmara, vereador Arselino Tatto (PT), afirmou que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), pediu que a base seja orientada a se posicionar contra qualquer emenda ao projeto do plano que proponha a criação de um aeroporto na região.

O crescimento da violência e do desemprego foi apontado como problema por todos os entrevistados que vivem na pequena cidade de aproximadamente 63 mil habitantes. “Embu-Guaçu é uma cidade muito esquecida. Nossos jovens não têm perspectiva de trabalho aqui. E quando têm, é por um salário muito inferior ao praticado em São Paulo. Precisamos urgentemente de um plano de desenvolvimento”, reivindica o segurança Celso Batista Santos, de 54 anos.

O trabalhador autônomo Irineu Lourenço Dias, 49 anos, considera que Parelheiros tem o mesmo problema relatado pelo segurança. “Temos muita gente se afundando na cachaça por falta de emprego. Qualquer coisa que vier pra cá é bem-vinda se tiver trabalho para o povo”, afirmou.

O técnico em informática Fernando Matos, 34 anos, lembra que já ouviu conversa parecida quando construíram o trecho sul do Rodoanel Mário Covas, que corta a região, mas não pode ser acessado pelos moradores. “Também disseram que o Rodoanel ia trazer benefícios para a população, o tal desenvolvimento. Só fez destruir a natureza. O aeroporto até pode ser bom para o estado (de São Paulo), mas não para a cidade”, avaliou.

Saiba mais:

Quero sossego

Os residentes antigos da região temem que o empreendimento seja o fim do sossego de uma área conhecida pela mata preservada, pelo silêncio noturno e pela melhor qualidade do ar da capital paulista.

Embora os aglomerados maiores fiquem distantes do local do aeroporto, alguns bairros – Recanto Campo Belo, Parque Florestal, Parque Oriente, Chácara Flórida, por exemplo – estariam na sua provável rota de pouso e decolagem.

A assistente administrativa Ângela Fernanda Matos, de 52 anos, moradora de Embu-Guaçu há 30, teme que o empreendimento acabe com a tranquilidade da região. Para ela, pousos e decolagens de aviões e helicópteros todos os dias vão tornar a região insuportável.

Outra preocupação para Ângela é o adensamento populacional. “A gente já está sofrendo um crescimento da população que a cidade não tem dado conta. E isso tem aberto caminho para o aumento da violência. Será que o aeroporto não vai trazer ainda mais gente para viver aqui?”, questiona.

O açougueiro Daniel Rodrigues, de 43 anos, morador de Parelheiros, discorda de Ângela. “Barulho por barulho, já temos o trem de carga, que atrapalha muito mais que uns aviõezinhos. E gente morando tem em todo lugar, isso não vai causar problema”, afirmou.

Rodrigues acrescenta um dado para ser “totalmente favorável”, como ele mesmo se definiu. “Eu moro ali pertinho. Vai valorizar minha propriedade e a de muita gente. Além disso, tem muita área verde aqui, não vai ser tanto impacto assim”, explicou.

Impacto ambiental

A posição do açougueiro, no entanto, está longe de ser uma unanimidade. A maior parte dos entrevistados gosta da região justamente por ser uma área de preservação. “Se vai causar impacto ambiental, libera a construção de um hospital, de um número maior de empresas, e não de uma coisa que vai servir só para alguns. Se tem de alterar a lei para permitir isso, que seja algo bom para todos”, defende o pasteleiro Willian Moraes, de 29 anos, de Parelheiros.

O jornaleiro Claudinei Bucch, de 49 anos, morador de Embu-Guaçu, acha que a expectativa de criar dois mil empregos não pode justificar um desmatamento em larga escala. “Vai desmatar mais ainda um local muito sensível, com muitas nascentes. Não vai trazer um grande retorno para a cidade, que compense isso”, defendeu.

Na região, o movimento Aeroporto em Parelheiros Não! afirma que existem ao menos dez nascentes no local, que seguem para o rio Embu-Guaçu, que por sua vez desagua na represa de Guarapiranga. Para o grupo, isso poderia afetar o equilíbrio ambiental da região.

“Quando se faz uma obra como essa as coisas não se limitam à obra em si. É quase natural que a infraestrutura acompanhe e tenhamos outros empreendimentos na região, como hotéis, postos de gasolina, mais gente morando”, argumenta o biólogo Léo Malagoli, membro do movimento. “Basta observar o que ocorreu no entorno do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos.”

O vereador Ricardo Young (PPS) também já disse que os impactos de longo prazo são difíceis de prever e podem ser desastrosos. Durante audiência pública para discutir o tema na Câmara Municipal, em dezembro do ano passado, ele lembrou que Cumbica foi instalado em uma região praticamente rural e, posteriormente, sofreu um adensamento populacional intenso. Para ele, o fundamental é realizar estudos consistentes de impacto ambiental e pensar alternativas de desenvolvimento adequadas à região.

A desempregada Núbia Barbosa, de 23 anos, pensa o contrário. “Ora, tem tanto desmatamento desnecessário acontecendo por aí. Esse pelo menos traz uma coisa boa para a gente, vai criar empregos”, afirmou.

A região tem diversos problemas para se desenvolver, pois tem limitações claras quanto a construção, pavimentação e desmatamento. Ao mesmo tempo, carece de um projeto para crescer nas áreas que não afetariam o meio ambiente, como turismo ambiental e agricultura.

Algumas medidas estão sendo propostas no Plano Diretor para tentar amenizar essa situação. Uma delas é definir a região de Parelheiros como zona rural, possibilitando o acesso da população a programas de desenvolvimento adequados ao local, como financiamentos agrícolas, orientação técnica para exploração sustentável e pagamento por serviços ambientais – remuneração do poder público a proprietários de terrenos que têm nascentes ou remanescentes de mata atlântica, para sua preservação.

Outra é a criação do Polo Ecoturístico de Parelheiros, que poderia mobilizar ações com esportes radicais, hotéis fazenda e trilhas guiadas em roteiros ambientais.

O local

No local do aeroporto, a estrada é de terra batida. A mata local é densa o bastante para desestimular a entrada. Mas a maior parte das árvores de grande porte são eucaliptos, que nenhum dos moradores entrevistados sabe ao certo como começaram a ser plantados ali, e não mata nativa. Mesmo assim, a área é considerada “em recuperação”, e atua como barreira de proteção para a as Áreas de Preservação Ambiental que se seguem, explicam os ambientalistas.

Logo após a área da empresa, há um lago que define a fronteira com o loteamento de alto padrão residencial da Fazenda da Ilha, ainda em período de vendas. No local, existem 1.385 lotes, em uma área de 463 hectares.