Insensível

TJ paulista autoriza leilão de áreas ainda sub judice onde vivem 42 famílias

Governo Alckmin já havia sofrido três derrotas em tentativa de derrubar liminar favorável às famílias, até que mérito da ação movida pela Defensoria fosse julgada

Marcia Minillo/RBA

Situação social das famílias e número de crianças e adolescentes não sensibilizou maioria dos desembargadores

São Paulo – O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve hoje (12) a autorização para o governador Geraldo Alckmin (PSDB) realizar os leilões de 60 terrenos onde vivem cerca de 400 famílias, nos bairros do Campo Belo e Brooklin, na zona sul da cidade. Dos 24 desembargadores do colegiado, 17 votaram à favor da manutenção dos leilões, inclusive o presidente do TJ-SP, Renato Nalini, e sete pela suspensão, incluindo o revisor do processo, Antônio Carlos Malheiros.

O acórdão de hoje mantém a decisão do ex-presidente do Tribunal de Justiça, Ivan Sartori, que no final do ano havia suspendido uma liminar obtida pela Defensoria Pública. A decisão acolhia o argumento de que a suspensão dos leilões provocaria prejuízos ao governo de São Paulo e à Companhia Paulista de Parcerias. A decisão provisória concedida à Defensoria era de agosto do ano passado, e o governo estadual já tivera três recursos negados pelo caminho processual normal.

O executivo estadual utilizou um recurso chamado “suspensão de segurança” (com base na Lei 8.437, de 1992), que permite ao governo apelar diretamente ao presidente do Tribunal quando uma decisão do Judiciário inferir risco de lesão ao estado.

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O desembargador Malheiros, revisor do processo, sustentava não haver “flagrante risco” ao interesse público e que os valores pleiteados nos leilões são irrisórios para essa alegação. “Os valores correspondem a 0,05% do total de R$ 51 bilhões da capitalização da Companhia”, afirmou. Malheiros lembrou ainda ao colegiado que 60% dos que teria de deixar suas casas ganham até dois salários mínimos e há um grande número de crianças e adolescentes no local, conforme demonstra estudo realizado pela Defensoria Pública.

Renato Nalini, que já havia manifestado voto contrário ao recurso desde a sessão anterior, na semana passada, retomou a palavra para reiterar sua posição aos demais membros do colegiado. “Não se pode considerar o valor dos leilões sobre o todo das parcerias”, disse o presidente do TJ. “Não se pode dizer que (os moradores) foram surpreendidos, porque a posse dos locais é precária. Além disso, é preciso revitalizar aquela área”, completou.

Como não cabe recurso sobre esse tipo de decisão às instâncias superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal –, os moradores ficam dependentes do julgamento de mérito da ação civil pública impetrada pela Defensoria, que pede a anulação dos leilões. Porém, isso não tem data para ocorrer e os primeiros leilões estão marcados para o próximo dia 25.

A auxiliar administrativa Elisete Lopes, moradora de uma das áreas em litigio, não conseguiu esconder a decepção. “Acreditava que poderia ao menos ter a suspensão dos leilões. Eles não se importam com a gente mesmo”, lamentou. As famílias vão planejar ações para pressionar o governo Alckmin a discutir o processo com elas, uma vez que consideram contrassenso o leilão ser realizado antes do julgamento do mérito da ação.

O governo alega pretende com a arrecadação dos leilões capitalizar a Empresa Paulista de Parcerias, que vai realizar parcerias público-privadas (PPP). Dos 42 imóveis “aptos” para ser leiloados atualmente, 22 foram visitados pela reportagem da RBA,que constatou pelo menos 42 famílias vivendo neles.

Em agosto do ano passado, a primeira tentativa de leilão oferecia 60 imóveis. A secretaria de Planejamento alega que os 18 retirados estavam ocupados e vão receber atendimento da Secretaria da Habitação. Porém, os outros, conforme relatado, também têm famílias.

Contraditório

Na segunda-feira (10), um outro grupo de desembargadores do Tribunal de Justiça paulista havia rejeitado pela terceira vez um recurso do governo Alckmin contra a liminar que suspendia os leilões.

Os desembargadores Reinaldo Miluzzi (presidente) e Sidney Romano dos Reis e Leme de Campo, da 6ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, defendiam no acórdão que “é de se resguardar o interesse da comunidade local em detrimento de eventuais prejuízos financeiros a serem suportados pelo Poder Público”.

Os magistrados argumentavam ainda que a preocupação com a situação das famílias antecede ao argumento de “urgência na venda” das áreas, já que o processo se iniciou há menos de um ano. E reafirmavam a necessidade de manter a decisão provisória (liminar) até o julgamento do mérito antes de se realizarem os leilões. No entanto, o recurso sobre o qual foi proferida a decisão de hoje se sobrepõe à decisão de segunda-feira – ou seja, sobre a liminar que havia sido mantida.

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