São Paulo

Justiça autoriza Alckmin a leiloar terrenos públicos onde moram 400 famílias

Permissão foi concedida pelo presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, em recurso especial interposto pelo estado. Ao lado dos moradores, Defensoria Pública vai recorrer da decisão

Danilo Ramos/RBA

Moradores mostram conta que atesta sua presença no terreno na zona sul da capital

São Paulo – O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivan Sartori, derrubou ontem (16) liminar que suspendia o leilão de 60 terrenos públicos na zona sul da capital, onde vivem há pelo menos 20 anos aproximadamente 400 famílias de baixa renda. Os imóveis estão localizados no entorno da Avenida Jornalista Roberto Marinho, na região dos bairros de Campo Belo e Brooklin.

A liminar havia sido concedida pela justiça em 11 de setembro, apenas dois dias antes da data marcada pelo governo do estado para a realização do leilão. A juíza Maricy Maraldi, da 6ª Vara da Fazenda Pública, entendeu que a administração Geraldo Alckmin (PSDB) violara a garantia de ampla defesa dos moradores ao iniciar o processo de oferta dos terrenos sem prestar-lhes qualquer informação.

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Mais tarde, a Procuradoria-Geral do Estado, que defende os interesses do poder público, entraria com recurso da decisão. O despacho da juíza, porém, seria mantido pelos desembargadores em segunda instância. Os procuradores, então, usaram um artifício especial, exclusivo do estado, e pediram diretamente que Ivan Sartori analisasse a matéria.

“Os órgãos públicos podem pedir ao presidente do TJ-SP a suspensão da execução da liminar, baseado na violação da ordem política, econômica e social”, explica Sabrina Nasser de Carvalho, do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa os moradores. “É uma autorização bastante ampla, colocada pela própria lei.”

A partir desse recurso, continua a defensora, Sartori entendeu que continuar impedindo judicialmente a realização do leilão traria graves prejuízos à ordem econômica. De acordo com o magistrado, há “suficiente demonstração de que haverá grave lesão à economia pública” e “prejuízo à empresa responsável pelas Parcerias Público-Privadas, cujo capital deve ser integralizado como condição para realizar as obras necessárias”.

A Defensoria Pública ainda não foi notificada oficialmente da decisão, mas Sabrina adianta que entrará com recurso. Ela tem cinco dias a partir do recebimento do documento para fazê-lo. Como o TJ-SP entra em recesso de final de ano na sexta-feira (20), o novo recurso dificilmente será analisado pelos desembargadores antes de janeiro.

“Hoje, a decisão é que os leilões estão liberados. Vamos apresentar os recursos o quanto antes, mas a gente acredita que não haverá leilão antes do novo julgamento”, espera a defensora, ao afirmar que vai insistir na argumentação que vem sustentando desde o começo.

“Em primeiro lugar, houve violação do contraditório aos moradores no processo administrativo”, explica. “Todos os moradores deveriam ser notificados sobre o leilão, mas o Estado acabou não avisando ninguém. Assim, não puderam apresentar seus argumentos. Isso é necessário para decisões administrativas que violam direitos fundamentais, como a moradia.”

Sabrina argumenta que também lembrará aos magistrados do direito adquirido pelos moradores da região devido ao tempo em que se encontram nos terrenos. “As pessoas têm direito à concessão de uso especial para fins de moradia, que se consegue após permanência no imóvel público pelo prazo de cinco anos”, pontua. “Temos informações oficiais da prefeitura de que a ocupação começou nas décadas de 1960 e foi se consolidando nos anos 1970 e 1980.”

A defensora lembra que uma das razões mais fortes para manter a suspensão dos leilões era a necessidade de se realizar um “estudo social” nas áreas ocupadas para conhecer a fundo o perfil dos moradores – medida prevista na decisão da juíza de primeira instância. “Temos que identificar realmente quem é da área, compreender o contexto de cada uma. Tem gente que está há muito tempo, outros pode ser que não. Mas é preciso saber em que contexto estão inseridos.”

“Aquela região está passando por um grande processo de gentrificação, essa é a verdade”, afirma Geílson Sampaio, assistente social do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que apoia os moradores. “Após a vinda do monotrilho, está havendo um enriquecimento da área e a expulsão das pessoas mais pobres. A liminar foi derrubada para fazer prevalecer o projeto imobiliário das Parcerias Público-Privadas.”

Antes de começar a trabalhar no Centro Gaspar Garcia, Sampaio foi ele próprio vítima de uma remoção na comunidade do Buraco Quente, vizinha dos terrenos ameaçados pelo leilão. No caso, teve de deixar sua casa devido à construção da Linha 17 Ouro do Metrô – o chamado monotrilho. O assistente social afirma que, desde setembro, quando obtiveram a liminar, os moradores tentam dialogar com o governo, sem sucesso. “Não houve negociação, resposta nenhuma.”

De acordo com Sampaio, os moradores ameaçados pelo leilão devem se reunir ainda hoje (17), à noite, para discutir o que farão caso a liminar não seja restaurada. “Provavelmente, teremos que ir para a rua, dar visibilidade à causa, para mostrar que temos voz e vez nessa sociedade desigual”, explica.

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