Caso Fabrício

Sob ameaça, advogados denunciam irregularidades em depoimento de jovem baleado

Relatando ameaças de morte, grupo que defende manifestantes afirma que Fabrício Proteus não poderia ter sido interrogado porque acabava de sair de um coma induzido e estava na UTI

Raquel Cunha/Folhapress

Cartazes afixados na Santa Casa em protesto contra violência sofrida por Fabrício: ‘Caso estranho’

São Paulo – Os Advogados Ativistas, grupo que defende voluntariamente manifestantes presos durante protestos públicos em São Paulo, denunciaram hoje (29) ilegalidades na coleta do depoimento do jovem Fabrício Proteus Chaves. O rapaz de 22 anos foi ouvido por três delegados na tarde de ontem (28) em seu leito hospitalar na UTI da Santa Casa de Misericórdia, centro da capital, para onde foi levado no sábado (25) após ser alvejado à queima-roupa no tórax e na genitália por dois PMs.

“A colheita do depoimento foi ilegal porque, no momento em que os delegados colheram o depoimento do Fabrício, ele tinha acabado de sair do coma, estava internado numa UTI, estava sob efeito de morfina, e esse depoimento foi assinado com o dedão. Daí você imagina o valor legal que tem esse documento”, explicou um dos integrantes dos Advogados Ativistas, Geraldo Santamaria Neto, em coletiva de imprensa. “Seus pais não puderam acompanhar o depoimento. Ele ficou sozinho com três delegados no quarto. Só no final o defensor público apareceu.”

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    De acordo com a assessoria de imprensa da Santa Casa, Fabrício Proteus Chaves deixou o coma induzido na manhã de ontem (28), poucas horas antes do interrogatório. Durante o depoimento, ainda segundo o hospital, o estado de saúde do jovem era estável, inspirando cuidados intensivos. Hoje, os médicos afirmam que o rapaz está consciente, comunicativo e apresentando evolução satisfatória. Fabrício perdeu um testículo e pode ter alguns movimentos do braço direito comprometidos – atualmente, está paralisado. Por isso, não pôde assinar o documento.

    Em seu depoimento, Fabrício contradiz a versão dos três policiais envolvidos no incidente – e que foi automaticamente endossada pelo governador Geraldo Alckmin, pelo secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, e pelo comandante da PM, Benedito Meira, antes de qualquer apuração. Os soldados afirmam que atiraram no jovem em legítima defesa, uma vez que o rapaz teria partido para cima de um deles, caído no chão, com um estilete nas mãos. Fabrício afirma que foi alvejado antes de investir contra o policial. As imagens mostram que um dos PMs já apontava sua arma para o rapaz antes de que ele caísse sobre seu colega.

    Ameaças

    Além de denunciar as condições ilegais em que os delegados tomaram depoimento do jovem, os Advogados Ativistas, que representavam judicialmente o rapaz até a tarde de hoje (29), afirmaram que receberam “ameaças de morte” para sair do caso. “Na segunda-feira (27), nas imediações do hospital, fui abordado por alguém chamando meu nome. Essa pessoa estava dentro de um carro e pediu que a gente se retirasse do caso, mostrando uma arma”, conta Daniel Biral, 33 anos, um dos integrantes do grupo.

    Como advogado criminalista e defensor de manifestantes, com presença constante em protestos de rua, Biral afirma que ameaças são comuns e que essa não é a primeira que ele e seus colegas recebem. “Só que nunca quisemos denunciá-las à imprensa. Não tinha nem motivo”, ressalva. “O grande motivo por termos aparecido agora é por causa desse caso específico, que estávamos cuidando, e tinha uma necessidade de mostrar a cara e falar que tem alguma coisa errada.”

    “Não sabemos quem fez a ameaça, mas a ameaça foi específica com relação a esse caso do Fabrício, para a gente sair do caso. E também para deixar de defender manifestantes”, complementa Geraldo Santamaria Neto, sublinhando que, pese aos riscos, o grupo tinha decidido continuar no caso. De acordo com André Zanardo, outro membro dos Advogados Ativistas, a família do jovem havia até mesmo assinado uma procuração na noite de ontem (28) constituindo o grupo como os representantes de Fabrício perante a Justiça.

    Na tarde de hoje, porém, parentes entraram em contato com os advogados e, sem maiores justificativas, invalidaram o documento. “Algo ocorreu nesse meio-tempo, de ontem pra hoje, e a família nos desconstituiu do caso”, explica Zanardo, que não soube dizer por que a família de Fabrício tomou essa decisão ou se seus pais também receberam algum tipo de ameaça. Os Advogados Ativistas vinham acompanhando e prestando assistência jurídica ao jovem baleado desde o sábado.

    “O caso está estranho desde o começo”, afirma Luiz Guilherme Ferreira, integrante do grupo. “Desde a obscura versão oficial até a falta de informações aos familiares, passando pela colheita ilegal do depoimento de Fabrício, o que vemos é um interesse político atípico, que é confirmar a todo custo a versão dos policiais.” Ferreira ecoou nota do Ministério Público, que ontem repreendeu o governo do estado por inocentar os policiais antes de qualquer investigação.

    “Parece-nos oportuno lembrar à Secretaria de Segurança Pública que o único órgão legitimado para imputar e enquadrar conduta criminosa a alguém é o Ministério Público. Caso contrário, existe o risco de Fabrício deixar de ser uma vítima policial para ser também uma vítima política”, continuou. “Percebe-se que as investigações mal começaram e os órgãos deslegitimados já estão até condenando.”

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