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Em São Paulo, governo do estado elogia conduta policial antes de apurar abusos

Governador, secretário e comandante absolvem agentes perante a opinião pública sem investigar denúncias. Depois, anunciam abertura de inquérito. Roteiro já se repetiu três vezes em janeiro

Reginaldo Castro/Folhapress

Manifestantes no 78ºDP, nos Jardins, em São Paulo: repressão dentro de hotel e tiros contra estudante

São Paulo – Antes de qualquer investigação sobre a conduta de policiais durante protesto em São Paulo, no último sábado (25), o governo do estado assumiu imediatamente a versão da Polícia Militar sobre o ocorrido e defendeu seus homens. Depois, prometeu que “eventuais abusos” seriam apurados. Mesma postura fora adotada pelas autoridades em duas outras ações levadas a cabo pelas forças de segurança paulistas em janeiro: a repressão ao rolezinho no Shopping Metrô Itaquera, na zona leste, dia 11, e a prisão de traficantes por policiais civis na região conhecida como “cracolândia”, centro da capital, na última quinta-feira (23).

No episódio mais grave e também mais recente, dois policiais militares balearam à queima-roupa o jovem Fabrício Proteus Chaves, de 22 anos, na Rua Sabará, no bairro de Higienópolis. Os autores dos disparos dizem que o rapaz – ferido com dois tiros no tórax e na genitália – estaria armado com um estilete. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) pronunciou-se sobre o assunto no domingo (26). No momento das declarações, o programa Fantástico, da TV Globo, ainda não havia veiculado imagens em que é possível ver Fabrício correndo dos policiais, reagindo à prisão, partindo para cima do soldado e sendo alvejado.

Apesar disso, de acordo com a Folha de S. Paulo, Alckmin disse que a polícia agiu “firmemente” para evitar uma tragédia durante o protesto, e que a orientação da PM é “proteger a população e os manifestantes”. Ainda segundo o jornal, o governador condenou o vandalismo e afirmou que a polícia tem o dever de “prender aqueles de depredam patrimônio público e privado.” Na segunda-feira (27), Alckmin voltou a comentar o caso. Revelou que torce pela vida do jovem e prometeu que a conduta dos policiais seria investigada. “Foi aberto um inquérito para apurar as condições em que isso ocorreu e os procedimentos do policial”, expressou.

Também no domingo (26), menos de 24 horas depois dos disparos, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Benedito Roberto Meira, em entrevista ao jornal El País, legitimou a ação dos policiais. “Nosso corregedor já viu esse vídeo e me assegurou que estava tudo correto. Os policiais atuaram de forma legítima”, considerou. Depois, garantiu que eventuais abusos seriam investigados. “Vamos instaurar um inquérito interno para avaliar a conduta deles.” Ao diário espanhol, Meira aproveitou ainda para criticar um defensor público por falar com jornalistas, mas não com a polícia, e a própria imprensa, por “potencializar” a ação dos vândalos.

Ontem (27), o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, também saiu em defesa dos policiais durante entrevista coletiva. “As imagens que me foram mostradas são de uma agressão que em tese justificaria a legítima defesa”, afirmou, alertando, como os demais, que mais detalhes seriam apurados em dois inquéritos policiais em andamento: um civil e um militar. “As cenas mostram um ato de agressão contra o policial. Em tese, isso legitima a ação do policial.” À diferença dos colegas, porém, Grella atestou que Fabrício não é um manifestante. “Apreendemos objetos que não são próprios daqueles que querem participar de manifestação.”

Cracolândia

Roteiro bem parecido foi seguido pelas autoridades da segurança pública no dia 23, quando agentes do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) reprimiram frequentadores da “cracolândia”. Em ação que classificaram como “rotineira”, os policiais civis tentaram prender um traficante, mas teriam sido impedidos por usuários. Chamaram reforços. Oito viaturas e 24 homens foram enviados ao local. Após bombas de efeito moral e tiros de festim, cerca de 30 pessoas foram detidas. A prefeitura considerou que a ação, surpresa, colocara em risco o programa Braços Abertos, que, em conjunto com o governo do estado, tenta ressocializar dependentes químicos sem fazer uso da violência.

No dia seguinte (24), Geraldo Alckmin, ecoando as palavras da diretora do Denarc, Elaine Biasoli, saiu em defesa dos policiais. “O Denarc fez uma ação para prender traficantes, e dependentes químicos tentaram impedir a prisão dos traficantes. Não pode ter território livre, traficante precisa ser preso”, afirmou, dizendo que é preciso separar dependentes e criminosos. Ao responder sobre possíveis abusos – como deram conta testemunhos de jornalistas e do secretário municipal de Segurança Urbana, Roberto Porto –, o governador respondeu: “Se, na resposta da polícia, que foi agredida, houve excesso, isso vai ser apurado.”

Logo depois, Fernando Grella reforçaria a convicção do governo estadual quanto à conduta incorrigível de seus agentes. “Foi apenas mais uma operação, só que houve esse incidente, da reação dos usuários, e foi preciso empregar um reforço para que as prisões dos outros traficantes pudessem acontecer.” Ontem (27), durante coletiva na Secretaria de Segurança Pública, o titular da pasta reafirmaria: “Evidentemente, quem comanda a operação chamou reforço para concluir as prisões, que eram de quatro traficantes.”

Ao comentar os episódios da cracolândia e da manifestação do último sábado (25), Fernando Grella também evitou tecer quaisquer comentários críticos à atuação das polícias estaduais. Sequer considerou mudanças na orientação das corporações, e adiantou que tanto civis como militares continuaram agindo exatamente da mesma maneira. “O Denarc vai continuar atuando, investigando e prendendo traficantes na região”, sublinhou, em relação à cracolândia. Sobre os protestos, cravou: “A PM vai intervir com firmeza sempre que houver quebra da ordem.”

Rolezinhos

Alckmin também prometeu apuração da conduta policial no Shopping Metrô Itaquera depois que homens das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) entraram no centro de compras para dispersar jovens que participavam de um rolezinho. “O governo não tolera nenhum tipo de desvirtuamento da função”, disse, em 13 de janeiro, dois dias depois do ocorrido, enquanto tentava justificar a presença dos policiais no estabelecimento. “Houve uma decisão judicial tendo em vista que havia sendo anunciada nas redes sociais que haveria uma manifestação. Tinha uma decisão judicial pedindo segurança e nós cumprimos.”

Um dia depois, em Campinas (SP), Fernando Grella defenderia o uso da força policial durante tumultos ocasionados pelos jovens em shopping centers. “A função da polícia é manter a ordem. Não é papel dela fiscalizar shopping. Mas, se houver risco iminente ou se for acionada, aí sim, passa a atuar.” Na quarta-feira (14), o secretário de Segurança Pública recuaria em seu discurso ao emitir uma nota afirmando que os rolezinhos se tratam de um fenômeno cultural e não poderiam ser considerados um caso de polícia. “Uma coisa precisa ficar muito clara: a segurança dos shoppings é privada. A PM somente deve agir se houver quebra da ordem.”

Apesar da promessa de apuração, as polícias civil e militar de São Paulo dificultam o acompanhamento das investigações instauradas para elucidar os abusos. Os procedimentos também costumam demorar meses. Um dos exemplos mais recentes são os inquéritos policiais militares (IPMs) conduzidos pela corporação para elucidar os excessos cometidos pelos homens da Força Tática e da Tropa de Choque na repressão aos protestos de 13 de junho de 2013 na capital.

Na ocasião, o fotógrafo Sérgio Silva, 33 anos, perdeu o olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha. De acordo com o Movimento Passe Livre, que encabeçou a manifestação, cerca de 150 pessoas ficaram feridas com menor gravidade. Há indícios de que a polícia encurralou os manifestantes nas ruas, sem oferecer-lhes caminhos para fugir das bombas. Quase oito meses depois, porém, os inquéritos não foram totalmente concluídos. E a PM bloqueia acesso da imprensa aos documentos.

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