Agilidade

Governo aguarda votação de projeto que pode tornar mais rápidos serviços sociais

Executivo acredita que 'fundações estatais' podem concorrer em serviços como saúde e educação. Parlamentar vê risco de que entidades sejam usadas para burlar legislação trabalhista do servidor

© Faculdade S. Lucas

Serviços público em áreas como saúde e educação podem ficar menos burocráticos, mas projeto ainda levanta dúvidas

Brasília – Está no plenário da Câmara dos Deputados, há quase quatro semanas, um projeto que muda de forma significativa a situação das entidades voltadas à implementação de políticas e programas sociais. Trata-se do Projeto de Lei Complementar 92, de 2007, encaminhado pelo Executivo ao Congresso há sete anos, que cria as “fundações estatais”. Na prática, o novo modelo apenas regulamentará item sobre o tema disposto na Constituição Federal de 1988, mas que nunca tinha sido tratado. E segue exemplos considerados bem-sucedidos de Portugal, Espanha e França.

A proposta, que começou a ser elaborada em 2005 por um grupo de técnicos do Ministério do Planejamento e chegou ao Congresso em 2007, tem o objetivo de fazer com que estas organizações passem a atuar sem fins lucrativos, mas sem a prerrogativa de serem exclusivas do Estado e sem a exigência de exercício ou poder de autoridade, como acontece com a maioria das fundações hoje existentes.

Embora com leis rígidas sobre as ações a desempenharem e as metas a serem cumpridas, tais organismos têm como pano de fundo um caráter menos burocrático que pode vir a permitir mais agilidade em serviços essenciais em áreas como saúde, no atendimento a hospitais, e como educação, em iniciativas voltadas a populações carentes.

Conforme a justificativa original da matéria, na mensagem encaminhada ao Legislativo, a ideia é que as fundações estatais sejam criadas tanto na esfera federal como nos estados e municípios e que possam atuar de forma concorrente com a livre iniciativa, em setores em que seja considerada importantes, para o Estado, a presença de um braço público. Mas, ao contrário do perfil das fundações públicas já existentes, não desempenharão serviços típicos de Estado.

Personalidades jurídicas

As fundações estatais, caso venham a ser aprovadas, atuarão como personalidades jurídicas de direito privado, com autonomia financeira. Terão, ainda, autonomias de gestão de pessoal, gerencial e orçamentária. Em outras palavras: os seus recursos não transitarão pelo Orçamento Geral da União – ou seja, não poderão solicitar ao Tesouro Nacional, nem a estados e municípios aos quais sejam atreladas, verbas para pagamento de determinadas despesas. Ao mesmo tempo, tudo o que arrecadarem poderá ser utilizado de acordo com seus próprios critérios, mas dentro de metas estabelecidas por conselhos criados para este fim e com prestações de contas regulares.

A diferença é que, hoje, no caso das autarquias, é necessário prestar contas e, ao mesmo tempo, solicitar ao Tesouro a realização de despesas – mesmo em caso de tais entidades terem receitas próprias, o que leva ao perigo de contingenciamento das verbas e, assim, à suspensão ou ao atraso de determinados serviços em execução.

Para os que são favoráveis à ideia, o novo modelo chega em boa hora. “A intenção é participar das atividades ligadas ao terceiro setor e na aplicação de ações sociais de uma forma mais moderna e diferente dessa obrigatoriedade existente, hoje, das fundações atreladas ao Estado. Isso daria maior transparência e até democratizaria mais tais iniciativas”, avalia a assistente social Marlúcia Ferreira, do Ministério do Planejamento, uma das técnicas que participou da elaboração do texto.

Já os que são contrários à proposta acham que, se o projeto não for executado com cuidado, poderá vir a se transformar em problemas futuros para União, estados e municípios. A deputada Alice Portugal (PCdoB–BA), embora ache que o projeto é estratégico e já tenha declarado, em tom elogioso, que “modifica a natureza do Estado”, pelo seu caráter de conferir maior agilidade às ações sociais e por reduzir o rito da burocracia, é da opinião de que, da forma como está, o texto também pode induzir a problemas.

Uma destas dificuldades é a possibilidade de pequenas prefeituras se sentirem autorizadas a contratar e demitir livremente servidores a serem lotados nestes órgãos, levando ao que, a seu ver, poderia ser considerado “um risco político”. Foi em função deste alerta feito por Alice Portugal que a matéria teve retirado do teor do texto a inclusão das atividades de ensino e pesquisa nessas fundações estatais.

O relator do projeto na última comissão por onde tramitou – a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) – deputado Pedro Henri (PP-MT), por sua vez, acha que o PLP contribuirá de forma substancial para substituir e dar fim a várias irregularidades observadas no âmbito das fundações. Um dos principais fatores para isso é que cada fundação a ser criada terá de ser feita mediante um projeto de lei específico, com sua regulamentação no setor para o qual será destinada – pois o texto do projeto apenas regulamenta a criação destas.

O deputado lembrou que, hoje, muitas fundações possuem limitações das mais diversas formas, assim como servidores sobrecarregados, sem perspectiva de crescimento profissional e sem alternativas para melhoria dos modelos de gestão em voga. Com a mudança, as fundações estatais poderão aperfeiçoar as instituições públicas e inovar os padrões de administração já existentes de forma desburocratizada, transparente e com atendimento bem mais efetivo para os cidadãos.

Nove setores

De acordo com técnicos que acompanharam o percurso de tramitação da matéria, o projeto, na prática, regulamenta o artigo 37 da Constituição, que dispõe de cargos e serviços pertinentes à administração pública. No caso específico do projeto de lei, são mencionadas as possibilidades de criação de fundações estatais apenas nos setores de saúde (inclusive hospitais universitários), assistência social, cultura, esporte, ciência e tecnologia, meio ambiente, comunicação social, promoção do turismo nacional e, ainda, previdência complementar do servidor público.

Além disso, o texto determina que as fundações estatais só podem ser criadas ou extintas mediante lei ordinária, especificando as áreas de atuação às quais vão se dedicar, bem como os tipos de projetos que pretendem desenvolver. A exceção se dá no caso de criação de hospitais universitários – uma vez que, dessa forma, o projeto terá de ser aprovado, antes, por um conselho universitário.

O analista legislativo Fernando Lisboa, que vem estudando o tema desde que foi protocolado no Congresso e atuou em várias das comissões por onde a matéria tramitou, destacou que o intuito principal do projeto é fazer com que a atividade pública, exclusivamente estatal ou não, que hoje é exercida por várias entidades – como autarquias, empresas de economia mista e fundações públicas – possa ter um outro tipo de dinâmica de trabalho por meio deste novo modelo de fundações, “sem o risco de contingenciamentos de recursos”, assegurou, ao completar que a questão da suspensão de verbas esperadas é sempre o maior risco.

Apoio de bancadas

Em junho passado, durante visita de representantes da Associação Nacional das Fundações Estatais de Saúde (Anfes), presidida pela Fundação Estatal Saúde da Família – que reúne 20 entidades associadas, de dez estados, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), afirmou que convocaria a bancada para votar em bloco pela aprovação do projeto. Pouco tempo depois, a matéria foi alvo de requerimento de urgência pedindo a sua votação no plenário pelas lideranças de partidos como o PCdoB, PSB, PSB e PSDB, entre outros.

Como o assunto ainda suscita debate entre vários deputados, ficou acertado, mediante acordo feito pelas lideranças partidárias, que durante a votação o projeto pode receber emendas que venham a alterar o seu teor no próprio plenário. Ou, caso seja considerado necessária uma discussão mais ampla, a matéria terá de retornar para tramitação nas comissões.

A questão é que, desde junho, os parlamentares defensores da matéria aguardam a sua votação, sem sucesso, no plenário da Casa. “O relator inicial era o então deputado Tadeu Filipelli (PMDB-DF), que nem está mais por aqui”, afirmou o analista legislativo da mesa diretora da Câmara, Edvaldo Queiroz – Filipelli atualmente é vice-governador do Distrito Federal – ao reclamar do atraso na votação do projeto. Resta saber se, com uma pauta tão extensa na semana que se inicia – e que inclui matérias polêmicas como o Marco Civil da Internet – o projeto poderá, finalmente, ser votado.