Casa Paulista

Moradores de prédios marcados para cair se agarram a promessa do governo Alckmin

Para construir 20 mil moradias, Casa Paulista coloca centenas de imóveis usados para habitação e comércio na lista de desapropriação. Moradores esperam desistência formal do Palácio dos Bandeirantes

Advogados disseram a Rosana que Natal não seria em sua casa <span></span>Vila no Bom Retiro abriga famílias há quatro gerações <span></span>Para Elisa critério foi 'isso é feio" <span></span>Proprietários foram avisados por advogados sobre ameaça <span></span>Maria Machado aluga ponto comercial e moradia há 13 anos <span></span>Família mora em prédio de uso misto ameaçado de despejo <span></span> <span></span> <span></span> <span></span> <span></span>Centro de Umbanda existe desde 1972 <span></span> <span></span> <span></span> <span></span> <span></span> <span></span>

São Paulo – Moradores e comerciantes de São Paulo aguardam o cumprimento da promessa do governo do estado de que seus imóveis serão retirados da lista de desapropriação do projeto Casa Paulista, uma parceria público-privada (PPP) que pretende erguer 20 mil unidades habitacionais no centro da capital. Cerca de 900 imóveis foram decretados de interesse social no final de julho, com a alegação de que estariam vazios ou sendo subutilizados, mas levantamento feito pelos moradores aponta que não passam de 20% os lotes nessa condição. Na lista há igrejas, pizzarias antigas e prédios de uso misto, iguais aos que pretende construir a PPP.

O compromisso partiu do secretário estadual de Habitação, Silvio França Torres, durante audiência pública na Assembleia Legislativa, mas quem mora ou trabalha em áreas marcadas para cair espera a formalização da promessa para se tranquilizar. “Eles estiveram aqui olhando, pegaram meus dados e foram embora. Disseram que vieram antes, mas não vieram, não. Essa é a primeira vez”, afirmou Renaldo Duwe, sacerdote e fundador de um centro de umbanda na Bela Vista incluído no decreto de desapropriação. “Aqui é um templo há 42 anos. Durante o mês passam mais de mil pessoas.” Além disso, no local moram 12 pessoas.

A parceria público-privada prevê a construção de 20.221 unidades habitacionais para “revitalizar” a região central fazendo intervenções em seis setores, compreendidos por bairros que estariam sendo subutilizados. A ideia é que o estado invista R$ 2,6 bilhões, a prefeitura, R$ 404 milhões, e a iniciativa privada, mais R$ 2,6 bilhões. Caberá à empresa vencedora de licitação, cujo edital ainda será lançado, demolir, reconstruir e vender os imóveis.

Moradores procurados pela RBA contam que só ficaram sabendo que estavam ameaçados de despejo graças ao assédio de advogados. “Colocaram um panfleto debaixo da minha porta, que a princípio chamou muita atenção porque era bem bonito e parecia caro, dizendo que eram especializados em ações desse tipo. Primeiro não dei atenção. Depois um vizinho comentou que nós teríamos que sair e aí eu fui atrás”, contou Rosana Rocha Pinto, que mora em uma vila no Bom Retiro. Ao entrar em contato com os advogados, ouviu deles que “até o Natal não estariam mais em suas casas”.

O desestímulo dos escritórios interessados em lucrar com ações indenizatórias não a desencorajou. Mais que dinheiro, os moradores querem garantir o direito de permanecer nas casas e nos negócios em que construíram suas vidas. “Eles diziam que querem fazer moradia, mas não faz sentido tirar umas pessoas para colocar outras”, desabafou Rosana.

O projeto urbanístico que definiu os imóveis a serem desapropriados foi feito por uma empresa privada, a Urbem, que teria colocado nas ruas 73 profissionais para realizar o levantamento e desenhar o futuro da região central. Segundo a assessoria da Agência Paulista de Habitação Social, esse projeto não teve custos para o estado. Mas agora são funcionários da Companhia Paulista de Obras e Serviços que percorrem os imóveis indicados para verificar se eles estão ou não ocupados.

As falhas nos critérios para selecionar os imóveis usados na PPP são gritantes. “Eles usaram critério assim: ‘isso é feio, isso está meio degradado’”, acusou a assistente social Elisa Paulesini, moradora de um prédio pichado na Rua do Bosque, na Barra Funda, ao lado de um viaduto – seu “futuro endereço”, segundo ela. Por dentro, no entanto, a casa é confortável, bem mobiliada e iluminada. “É um desrespeito com a cidadania e com o ser humano. Não tem interesse social nenhum”, esbravejou.

“Nós esperamos que ele cumpra a palavra, o compromisso assumido. E já enviamos um projeto de lei para que o decreto seja extinto. Para não resolver desta maneira cosmética”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol). “Nem o secretário sabe os critérios usados para apontar esses imóveis. Ele admite que houve erros.”

Problemas de base

Para o urbanista Luiz Kohara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, pode ter ocorrido algo além de equívocos. “Há erros, porque as áreas foram demarcadas de maneira aleatória. Mas há má-fé porque quem está fazendo isso é o governo, que tem intenção política. Nunca foi apontado de maneira objetiva quantas habitações vão ser construídas em cada lugar e o que vão fazer com as pessoas que vão ser removidas”, afirmou.

“Do jeito que está, será um processo de gentrificação. Se for efetivado, servirá para atender a pessoas com renda maior e provocar valorização imobiliária”, disse. A ideia de que a PPP irá construir habitações de interesse social para famílias de baixa renda é questionada pelo urbanista. Para ele, o foco não são as famílias com renda de até três mínimos, maior grupo que forma déficit habitacional do país e da cidade.

Kohara também chama atenção que algumas das áreas afetadas pela PPP estão em Zonas de Interesse Social e que por isso a elaboração do projeto urbanístico para essas áreas deveria ter sido feita por força de lei, com acompanhamento de um conselho formado por moradores, o que não ocorreu. A falta de participação popular durante audiências públicas levou o Ministério Público a obter a suspensão do projeto. No entanto, a liminar foi revogada na semana passada.