Águas Espraiadas

Removidos de operação urbana enfrentam vazamento e inundações em moradias ‘novas’

Construído na gestão Kassab, condomínio na zona sul de São Paulo submete moradores a problemas de toda ordem. Gestão atual, que liberou a entrega dos apartamentos, diz que problemas são 'pontuais'

A líder comunitária Sheila teme pelo futuro do condomínio com a deterioração dos imóveis <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Instalação elétrica já tem bordas desmoronando, fiação exposta e infiltração d'água <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Caixa de passagem de cabos, onde o desleixo é visível <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>Moradora Rita e o filho: apuros com alagamentos em dias de chuva <span>(Raoni Maddalena)</span>Laterais dos blocos já apresentam trincas no concreto <span>(Raoni Maddalena/RBA)</span>

São Paulo – Vazamentos de água, infiltrações, fiação exposta e tubulações menores que o necessário para a passagem de fios e cabos têm sido o cotidiano dos moradores do Conjunto Habitacional Corruíras, na zona sul de São Paulo. Fosse uma construção antiga, ninguém estranharia. Porém, os apartamentos foram entregues no último dia 18 de agosto pela prefeitura de São Paulo, e têm apresentado riscos que fazem os novos proprietários ter saudade das moradias precárias em que estavam instalados antes. Para completar o roteiro, os apartamentos que ficam no andar mais baixo alagam quando chove forte, pois a drenagem nas áreas comuns se revelou ineficiente.

O conjunto Corruíras é composto por duas torres de sete andares cada, construídos na forma de um “C”, no bairro do Jabaquara. Na área vazia comum entre as edificações não há qualquer equipamento de lazer ou esportivo, seja infantil ou adulto. O condomínio abriga 244 famílias removidas da favela Nova Minas Gerais, que ficava bem ao lado do empreendimento. Foram três anos de obras, ao custo de R$ 43 milhões, realizadas pelo Consórcio Flasa Cei.

A construção foi iniciada na gestão de Gilberto Kassab (PSD), que chegou a fazer uma inauguração simbólica da obra ainda inconclusa em 28 de dezembro de 2012, nos últimos dias de seu mandato (2009-2012). A entrega atrasou em um ano.

Essas moradias seriam destinadas às famílias da favela de mesmo nome, que fica  próxima dali. Elas seriam removidas como parte do processo da Operação Urbana Água Espraiada. No entanto, com as obras, as casas da favela Nova Minas Gerais tiveram a estrutura abalada, e então a prefeitura e os fóruns participativos da operação decidiram realizar a mudança de destinação.

Tanto a comunidade Corruíras como a Nova Minas Gerais estão também no caminho do monotrilho da Linha 17-Ouro do Metrô de São Paulo, que vai remover centenas de moradores da região.

Instável

Na área externa do conjunto habitacional não há espaço destinado para crianças e os postes de luz balançam. Segundo a líder comunitária Sheila Mendes do Nascimento, de 37 anos, a empresa alega que eles “são assim mesmo”, versão da qual discorda.

“Um dia uma criança se machucou, pois estava brincando aqui, se segurou no poste que, balançando, soltou o lustre. Caiu na cabeça da menina e ela teve um corte na testa”, conta. Os postes parecem estar somente levemente presos ao chão e uma sacudida mais forte faz toda estrutura balançar.

A caixa d’água do bloco B é outro problema. Apresenta vazamento constante e nos primeiros dias após a mudança dos moradores vazou sem parar. “Estamos com uma conta para pagar de R$ 13 mil, logo do primeiro mês, quando nem todo mundo havia mudado ainda”, afirma. Segundo a líder, a empreiteira reconheceu que foi por conta do vazamento e está negociando com a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) uma amortização.

Outro perigo é que a bomba elevatória deste reservatório está ligada à rede elétrica por uma “gambiarra” de fios puxados desde a caixa de força do bloco A e que estão expostos em uma altura que qualquer criança poderia mexer.

Umidade e alagamentos

Como o terreno é em desnível, o condomínio tem acesso por duas ruas diferentes – um pela avenida General Daltro Filho e outro, no segundo subsolo, pela rua Corruíras. O que poderia representar um ganho em facilidade é um pesadelo para os moradores do andar mais baixo.

A aposentada Rita de Cássia da Silva mora no térreo do bloco A. Cada vez que chove passa verdadeiros apuros para retirar a água que inunda sua casa, por conta da execução equivocada das obras de dregagem.

O apartamento de Luzinete Gonlçaves ainda está cheio de roupas, brinquedos e livros escolares pendurados, esperando secar. O imóvel foi invadido pela água quando a tubulação da bomba de elevação se rompeu. Hoje, na casa dela, só os filhos pequenos.

Funcionários da construtora foram com Luzinete fazer um orçamento de tudo o que ela perdeu para ser indenizado. Segundo Sheila, toda a área livre enche quando chove. “Não tem drenagem adequada. Agora que começaram a fazer uns cortes no chão, colocar umas pedras na área verde, para provocar a infiltração da água. Vamos ver se vai adiantar”, afirma.

Os problemas de Antônio Carlos da Silva, de 42 anos, são com a tubulação de escoamento. “Nos primeiros dias, a água começou a voltar pelo ralo da pia, transbordou e se espalhou pela casa. Arrumaram. Dias depois ela subiu pelo ralo da lavanderia. Depois foi pior, pois quando chegamos já tinha molhado o guarda-roupa, a cama dos meninos que nem tinha sido montada e o colchão de casal”, relata.

Novamente, o problema foi consertado. Só que, passada uma semana, a água voltou a subir pelo ralo do banheiro. “Se em menos de dois meses aconteceu tudo isso, imagina daqui a cinco anos”, preocupa-se Silva.

O técnico em instalação telefônica Sandro Rodrigues, de 38 anos, descobriu que outros sinais de descuido durante a construção. “Tinha uma torneira que saía pouca água. Todas as outras estavam normais. Resolvi abrir eu mesmo o encanamento e quando tirei a torneira tinha restos de massa e cimento no cano”, relata.

Já o problema da assistente social Queila Assis Gomes, de 32 anos, é necessidade de instalar um telefone e não poder. Todos os conduítes que vão até a casa dela estavam entupidos. “Com muito esforço, consegui desentupir. Mas aí o conduíte quebrou”, explicou. Faz um mês que ela aguarda uma solução da construtora. “Eles dizem que eu tenho de aguardar, porque tem outras pessoas com problemas mais sérios”, afirmou.

Pontualmente

Na tarde da última sexta-feira (11), dia em que a reportagem da RBA estava no local, uma funcionária da Secretaria Municipal da Habitação (Sehab) e dois do Consórcio Flasa Cei avaliavam as reclamações dos moradores no Corruíras. Sheila afirma que eles se tornaram mais presentes após a visita de algumas equipes de reportagem. “Sempre fomos atendidos, mas a coisa não andava. Esperamos que agora se resolvam os nossos problemas”, afirmou.

A RBA procurou o consórcio Flasa Cei, mas um funcionário informou que a pessoa que atenderia à reportagem só estaria disponível na segunda-feira (14).

Em nota, a Secretaria de Habitação informou que os problemas estão sendo sanados pela construtora, que recebe e tem obrigação de vistoriar todas as falhas relatadas por moradores. “Antes da entrega das unidades são realizados testes nas instalações hidráulicas e elétricas. Os problemas relatados são pontuais e solucionados na medida em que a construtora é comunicada. A secretaria disponibiliza equipe social diariamente no local para atender os moradores e eventuais solicitações de manutenção do conjunto.”