Justiça Federal garante permanência de famílias quilombolas em Ubatuba (SP)
Incra e Fundação Palmares conseguem barrar reintegração em área reconhecida como de propriedade dos remanescentes de quilombos
Publicado 26/07/2013 - 13h01
São Paulo – Em liminar, a Justiça Federal em Caraguatatuba garantiu na terça-feira (24) a permanência das famílias que vivem no Quilombo de Cambury, em Ubatuba, município do litoral norte de São Paulo.
Na decisão, o juiz Ricardo de Castro Nascimento, titular da 1ª Vara Federal de Caraguatatuba, suspendeu a execução do mandado de reintegração de posse na comunidade, que havia sido concedido pela Justiça Estadual.
A liminar tem validade de 90 dias e já foi comunicada aos moradores. A decisão determina que as terras fiquem sob posse do Instituto de Reforma Agrária e Colonização (Incra) – e consequentemente dos quilombolas.
A ação de reintegração foi ajuizada na Justiça Estadual em 1976 e e teve parecer favorável em 1984, mas não chegou a ser cumprida, apesar das várias tentativas.
Segundo o Incra, o cumprimento da sentença foi solicitado pelos autores da ação somente em 2007, quando a comunidade já tinha sido reconhecida como remanescente do quilombo de Cambury, não só pelo instituto, mas também pelas fundações Itesp (estadual) e Palmares (federal).
Em março de 2013, a Justiça Estadual determinou a reintegração. No dia 11 de junho, a partir de acordo com o Ministério Público Federal, a ordem foi suspensa. Mesmo assim o juiz Eduardo Passos Bhering Cardoso mandou que a área fosse desocupada, o que deveria ter ocorrido na último segunda-feira (22).
De acordo com integrantes da Associação Remanescentes de Quilombo do Cambury, os oficiais de justiça só não cumpriram a reintegração porque a polícia militar alegou que não tinha efetivo suficiente, e houve resistência por parte da comunidade, que formou um cordão humano impedindo a tomada do local.
Direito ao território
Na ação civil pública que resultou na liminar suspensiva, de autoria do Incra e da Fundação Palmares, o argumento é de que a decisão de 1984 é anterior à Constituição Federal de 1988, que assegurou aos remanescentes de quilombos o direito ao território por eles ocupado.
O chefe da divisão de ordenamento da estrutura fundiária da superintendência do Incra de São Paulo, Mauro Baldijão, afirma que não sabe o motivo para a reintegração estar sendo cumprida agora, mas aponta a especulação imobiliária como fator.
“A comunidade está resistindo, diz que não vai sair. Não entendo qual o interesse da pessoa em tirar as pessoas de lá, não sei se é fazer especulação imobiliária, o que é difícil porque lá é área de parque, ou se o objetivo é receber alguma indenização do Incra futuramente”, disse à Rádio Brasil Atual.
Segundo ele, as lideranças quilombolas relataram que foram chamadas pelo oficial de justiça na segunda-feira, que ofereceu dinheiro aos quilombolas em troca da terra.
“Uma coisa estranha foi o oficial da Justiça Estadual chamar as lideranças quilombolas e falar que o vulgo proprietário ofereceria dinheiro para eles se eles desocupassem a área, o que acho é ilegal, porque ele tá extrapolando as funções dele”, afirmou Baldijão
Impasse
O Quilombo Cambury tem 40 famílias. A área objeto da ação de reintegração abriga quatro delas, além da Toca da Josefa, um ponto cultural, um ponto comercial e a sede da Associação dos Remanescentes de Quilombos, onde funciona a Escolinha do Jambeiro e um ponto de cultura.
A procuradora da República em Caraguatatuba, Maria Capucci, afirma que a competência para julgar a ação é da Justiça Federal, e que é inconstitucional que se discuta reintegração de posse numa área em que há remanescentes de quilombos, onde a posse é coletiva.
“A posse exercida pela comunidade é posse que tem natureza completamente diferente da que foi discutida nessa ação na Justiça estadual. A posse que é exercida pela comunidade é uma posse coletiva, considerável indivisível, diferente da posse civil que foi discutida. Ela é uma posse de natureza constitucional.”
Além disso, ela afirma que conflitos de posse onde há comunidades remanescentes de quilombos tem de ser discutidos e solucionados em termos de indenização, e não reintegração.
“Dentro do que determina a Constituição, a partir do momento em que é identificado um território com remanescentes de quilombos, todos os eventuais títulos que existam sobre este território vão ser discutidos em termos de indenização, não se discute mais quem tem o direito de posse, porque a Constituição garante a essas comunidades a posse permanente destes territórios. Essa decisão da Justiça estadual não pode ser executada, justamente porque a justiça competente para determinar medidas que afetem interesses da União é a Justiça Federal.”