Rio de Janeiro

Acusado de exceder seus poderes, Cabral altera decreto antivandalismo

Duas pequenas mudanças esclarecem que comissão especial que investigará depredação do patrimônio durante protestos irá respeitar Constituição; sigilos só serão quebrados com ordem judicial

Gabriela Batista/Midia Ninja

Manifestantes queimaram boneco representando Sérgio Cabral na última segunda-feira

São Paulo – O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, anunciou hoje (24) que fará duas pequenas alterações no Decreto nº 44.302, publicado na última sexta-feira (19), que cria a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (Ceiv). O texto é uma reação do Executivo fluminense aos protestos contra a administração do PMDB, que voltaram a se intensificar após a chegada do papa. O novo teor do decreto deve ser publicado na edição de amanhã do Diário Oficial do Estado, revogando o anterior.

“O governador colheu junto ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) o aperfeiçoamento do decreto que cria a Ceiv, de forma que não pairem quaisquer dúvidas quanto ao respeito ao processo legal”, disse uma nota emitida na tarde de hoje pelo Palácio da Guanabara, reconhecendo as fortes críticas que o texto recebeu de juristas e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Todos foram unânimes em apontar a inconstitucionalidade do documento, sobretudo no que se refere à quebra do sigilo telefônico e de internet de pessoas suspeitas de vandalismo. “O novo decreto – com teor ajustado – será publicado nesta quinta-feira, 25, já revogando o anterior.”

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As mudanças realizadas pelo governo são bastante pontuais. O artigo 2º continua concedendo à comissão plenos poderes para conduzir seus trabalhos. Diz o texto que “caberá à Ceiv tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas”. Mas agora ganhou um parágrafo único, que antes não existia, em que assegura: “Observar-se-á a reserva de jurisdição exigida para os casos que envolvam quebra de sigilo”.

O governo também alterou a redação do parágrafo único do artigo 3º do decreto, que ordenava às operadoras de telefonia e aos provedores de internet em atividade no Rio de Janeiro a atenderem aos pedidos de informações da Ceiv em um prazo máximo de 24 horas. Agora, não existe mais essa exigência de tempo: ficou estabelecido apenas que as empresas de telecomunicações deverão dar “prioridade” às requisições da comissão – e também àquelas que se originarem de “ordem judicial, nos casos de sigilo previstos na legislação”.

Críticas

Assim, o governo fluminense procura responder às críticas de que o decreto estaria ferindo a Constituição em seu artigo 5º, inciso 12, conforme havia denunciado a OAB. “O poder dado à Ceiv para quebra de sigilo de dados telefônicos e de informática, sem autorização judicial, viola a Constiuição. O poder estadual está ultrapassando a Constituição, que assegura a competência exclusiva da União para legislar.” Em entrevista à RBA, a professora Odette Medauar, titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), havia qualificado como “ridícula” a intenção da comissão em requisitar informações sem ordem da Justiça.

“Quem não pode fazer quebra de sigilo, como o governo, também não pode autorizar ninguém a fazê-lo”, criticou. “O sigilo de dados é direito previsto na Constituição Federal. Esse direito só pode ser quebrado com autorização judicial ou por ordem de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).” Apesar de não haver leis específicas no país protegendo as informações que circulam pela internet, Odette afirma que os preceitos constitucionais devem prevalecer. “O provedor só pode passar dados mediante mandato judicial. Como não temos legislação sobre internet, então a regra básica é a Constituição.”

As mudanças realizadas no decreto, porém, não dão resposta a outras críticas ao texto, como as que foram apontadas à RBA pelo professor de Direito Administrativo da USP Gustavo Justino de Oliveira. “A melhor técnica para decretos desse tipo é a descrição a mais minuciosa possível das competências, procedimentos e atuação dos órgãos envolvidos na investigação. Nesse sentido, o decreto não é bom. É tudo muito vago”, avalia. “Não pode haver dúvidas sobre as competências e limites de atuação da Ceiv. Senão, a tendência das autoridades brasileiras historicamente é ultrapassar seus poderes, atuar com abuso e excesso.”

De acordo com Justino de Oliveira, a eventual ocorrência de abusos por parte da Ceiv deveria ser coibida pelo Ministério Público, que, por lei, desempenha um papel fiscalizador da administração. “Mas o MP-RJ está participando da comissão e, mais do que isso, dirigindo o grupo”, critica. “Quando o Ministério Público atua lado a lado com a administração direta, como neste caso, ele já está comprometendo suas funções. Se ele participa da Ceiv, como poderá denunciá-la em casa de abusos? É uma situação delicada… Esse tipo de atuação deveria ser mais matizado.”

Confira a nova redação do decreto:

Cria Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas – Ceiv e dá outras providências

O governador do estado do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições constitucionais e legais,

Decreta:

Art. 1º  – Fica instituída a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas – CEIV, a ser composta por representantes das seguintes instituições:

a) Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro;
b) Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro;
c) Polícia Civil;
d) Polícia Militar.

§ 1º – Os Chefes das Instituições mencionadas neste artigo indicarão os integrantes da Comissão, composta por tantos membros quantos por elas considerados necessários.

§ 2º – A Presidência da Comissão caberá a um dos representantes do Ministério Público, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça.

§ 3º – A Comissão contará com a estrutura administrativa necessária para o seu funcionamento, devendo as suas requisições de pessoal e infraestrutura serem atendidas com prioridade.

§ 4º – O Secretário Chefe da Casa Civil acompanhará os trabalhos da Comissão, podendo solicitar informações necessárias para a tomada de decisões por parte do Governador do Estado.

§ 5º – A Comissão tem por finalidade a otimização dos trabalhos de investigação, não importando na alteração das competências e prerrogativas legais das Instituições dela integrantes.

Art. 2º – Caberá à CEIV tomar todas as providências necessárias à realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.

Parágrafo único – Observa-se-á a reserva de jurisdição exigida para os casos que envolvam quebra de sigilo.

Art. 3º  – As solicitações e determinações  da CEIV encaminhadas a todos os órgãos públicos e privados no âmbito do Estado do Rio de Janeiro terão prioridade absoluta em relação a quaisquer outras atividades da sua competência ou atribuição.

Parágrafo único – As empresas Operadoras de Telefonia e Provedores de Internet darão prioridade para o atendimento dos pedidos de informações formulados pela CEIV ou decorrentes de ordem judicial nos casos de sigilo previstos na legislação.

Art. 4º – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogado o Decreto no. 44302, de 19 de julho de 2013.

Rio de Janeiro, 24 de julho de 2013

SÉRGIO CABRAL

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