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Avanço conservador nega direitos básicos à mulher, dizem prefeitas em Fórum

Acensão a postos de liderança na política e na economia ainda não é suficiente para garantir às mulheres igualdade em relações de trabalho e soberania sobre o próprio corpo

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Ato público pelo fim dos preconceitos, reconhecimento e ampliação de direitos das mulheres

Canoas – Desconstruir a cultura machista é fundamental para a construção de metrópoles humanizadas e sustentáveis. Para as participantes do debate sobre Igualdade e Políticas de Gênero, realizado ontem (12) durante o 3º Fórum Mundial de Autoridades Locais de Periferia (Falp), a acensão de mulheres a postos de liderança ainda não é suficiente para a garantia de direitos básicos, como condições iguais de trabalho e soberania sobre o próprio corpo.

A relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para direitos das mulheres no Brasil, Telia Negrão, destacou o dado de que 43 mil mulheres foram assassinadas nos últimos dez anos por seus cônjuges ou ex-companheiros no Brasil. E cobrou a expansão da política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres, cuja elaboração se iniciou em 2003.

“Todos os municípios devem ter conselhos de direitos das mulheres e mecanismos municipais como coordenadorias ou secretarias, que possam colocar na agenda da gestão local a necessidade de ter políticas específicas e a transversalidade delas nas ações do governo”, defendeu.

Telia também condenou o que considera retrocesso na soberania das mulheres sobre seus corpos, representado pelo Estatuto do Nascituro, que dá direitos ao embrião, veda absolutamente o aborto e propõe uma bolsa-auxílio para mulheres vítimas de violência sexual que fiquem grávidas. Atualmente a proposta, elaborada e defendida por grupos religiosos, aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputado para ir à votação no plenário da casa e depois ser encaminhada ao Senado.

Para a relatora, a eleição de mulheres a cargos majoritários na América Latina é reflexo de um avanço geral na sociedade. “Mas ainda não expressa a derrubada dos tabus para a eleição das mulheres em espaços locais ou sua aceitação no mundo do trabalho em geral. Ainda se acredita que as mulheres não têm capacidade ou que não conseguiriam compactuar a vida particular com a pública”, avalia.

O secretário-executivo do Instituto de Estudos da Religião, Pedro Strozenberg, defende que a questão de gênero deva ser discutida e pensada também com os homens, inclusive os agressores de mulheres.

“Fazemos grupos de reflexão, cujo objetivo é apostar que isso pode transformar, pedagogicamente, o homem agressor. Procuramos desconstruir a ideia, socialmente aceita, diga-se, de que a violência contra a mulher é um direito do homem”, explica. Segundo ele, o projeto tem parceria da Justiça no Rio de Janeiro.

Strozenberg defende ainda que a punição, como método exclusivo, não é o melhor caminho. “É importante responsabilizar os homens e esse espaço serve para isso”, completa.

Para a ex-prefeita de Iztapalapa, no México, Clara Brugada, não é possível avançar em democracia nas metrópoles periféricas sem a presença de mulheres como dirigentes.

“Não podemos ser a periferia da periferia. Sem inclusão e igualdade de gêneros não teremos comunidades realmente democráticas”, pondera.

Clara defende que ao pensar a cidade, os gestores progressistas devem concebê-la em termos de gênero. “Ao construir um parque, por exemplo, existe uma carga social. Deve-se pensar em quem vai utilizá-lo e como. Identificar a realidade de gêneros do local para adequá-lo”, propôs.

A prefeita de Pedro Aguirre Cerda, no Chile, Claudina Nuñes, avaliou que ela mesma nunca tinha parado para pensar se sua gestão tem feito diferença na defesa dos direitos das mulheres. Claudina está preocupada com avanço da agenda conservadora sobre os direitos das mulheres em seu país.

“Estamos vendo na mídia à direita opinar sobre o corpo da mulher. Todos parecem ter direito a opinar, menos nós. Nenhuma mulher gosta da ideia de aborto. Mas deve ser possível em casos extremos. Muitas ainda são obrigadas a ter filhos que nascem mortos, por problemas diagnosticáveis, apenas para não abortar”, protestou.

Segundo o representante da prefeitura da cidade italiana de Sesto San Giovanni, Michelle Foggetta, a situação da mulher em seu país é calamitosa.

“Na Itália a violência contra as mulheres e os homossexuais aumentou de forma incrível nos últimos anos. Além disso, mais de 50% das mulheres italianas, entre 17 e 65 anos, sofreram alguma forma de violência sexual pelo menos uma vez na vida”, afirmou.

A vice-prefeita de Gava, na Espanha, Emma Blanco, também denuncia o avanço dos ideais conservadores em seu país.

“Temos um governo conservador que quer acabar com as políticas de igualdade. Ele está cortando recursos para desenvolvimento destas politicas e tem questionado a lei sobre o aborto”. Para ela é preciso um trabalho consistente para reverter a cultura de desrespeito à mulher.

“Chama atenção que eles têm uma mulher como vice, de onde partem os principais ataques contra as politicas de gênero. É uma questão cultural ver a mulher em posição inferior”, conclui.

Nesta edição, o Falp está reunindo 1100 autoridades locais de 200 cidades, de 50 países da América Latina, África, Oriente Médio e Europa. Serão discutidos temas como identidade e multipolaridade, governança e participação, igualdade e políticas de gênero. Além dos debates políticos, haverá atividades culturais tradicionais dos países participantes e seminários paralelos sobre temas diversos. O evento se encerra hoje (13), com uma palestra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O fórum foi idealizado em 2003, durante o processo do Fórum Social Mundial (FSM) e do Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social e a Democracia Participativa. Propõe a criação de novos paradigmas para o espaço urbano, baseado no estabelecimento de novas centralidades, na solidariedade, na sustentabilidade, na valorização das diferentes culturas, na inclusão social e na defesa dos direitos. Desde então foram realizadas duas edições, a primeira em 2006, na cidade francesa de Nanterre, e a segunda em 2010, em Getafe, na Espanha.