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Após vitória, Passe Livre rejeita oportunismo conservador em protestos

Movimento informa que vai às ruas hoje para celebrar vitória e cobrar libertação de manifestantes detidos, e promete manter mobilização por transparência e fim do lucro privado no transporte

Danilo Ramos. RBA

Os representantes do MPL querem criar um conselho de transportes em São Paulo para garantir transparência

São Paulo – Militantes do Movimento Passe Livre reafirmaram hoje (20) que vão seguir mobilizados no sentido de conquistar a tarifa zero, garantir a instalação de um conselho municipal de transportes e exigir transparência nos gastos e na operação do sistema por meio do controle social. “Nossa luta é sobre transporte público, aqueles que querem se manifestar sobre outras bandeiras devem ganhar as ruas, se organizar e lutar”, disse o militante Rafael Siqueira. As declarações foram dadas em entrevista coletiva de imprensa no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, no centro da capital.

Questionados várias vezes sobre o caminho da atuação, os militantes foram categóricos ao reafirmar a posição do movimento. “Somos anticapitalistas, não temos vínculo partidário, com organizações não governamentais ou financiamentos do Estado. Não temos, por exemplo, a PEC 37 como bandeira”, afirmou a militante Mayara Vivian. “Somos parceiros dos movimentos sem-terra e sem-teto, acreditamos na reforma agrária e na reforma urbana, por exemplo. E reafirmamos que a função do transporte público não é dar lucro para empresário”, completou Mayara.

Após a repressão violenta da Polícia Militar no ato da quinta-feira (13), o movimento ganhou força e cresceu, contando cerca de 100 mil pessoas na manifestação da segunda-feira seguinte (17). Porém, esse crescimento significou também o surgimento de outras bandeiras de reivindicação, embora a revogação do aumento da tarifa permanecesse sendo a pauta central. Questões como a Proposta de Emenda à Constituição número 37, que reduz o poder de investigação do Ministério Público, o combate à corrupção e a redução dos impostos passaram a ser vistas nas manifestações.

A própria ideia de como financiar a tarifa zero, defendida pelo MPL, confronta com algumas posições que foram vistas nos protestos. “A gente entende que uma reforma tributária no sentido da implantação de impostos progressivos para obter recursos que custeiem a tarifa zero é a forma mais justa de financiar. Uma vez que quem não tem não vai pagar, quem tem pouco paga pouco e quem tem muito paga mais”, explicou o militante Douglas Belome.

De acordo com a militante, os próximos passos da luta serão pelo controle social do transporte, com a instalação de um conselho municipal de transportes, medida prevista no Plano Diretor Estratégico de 2002, e pela tarifa zero. “Vamos apresentar nosso projeto de iniciativa popular pela tarifa zero, que compreende a instalação de um fundo municipal de transportes, que seja gerido através do conselho”, disse Siqueira. “Queremos que as pessoas possam opinar sobre as decisões no transporte, que definam se uma linha pode ou não ser extinta ou alterada”, completou.

Segundo a militante Mayara Vivian, a manifestação de hoje à tarde, às 17h, na avenida Paulista terá três pautas principais: comemorar a vitória histórica da mobilização social, solidarizar-se a outras lutas pelo Brasil, especialmente em Belo Horizonte, onde tem havido forte repressão, e exigir a libertação dos manifestantes que ainda estão presos.

“As pessoas não podem permanecer presas por uma luta popular. Queremos sensibilizar a população a pressionar para que todos os processos contra manifestantes sejam retirados. Há prisões de cunho político, evidenciado pela transferência de alguns deles para o presídio de segurança máxima do Tremembé”, afirmou Mayara.

Questionados se haveria diferenciação no apoio jurídico do movimento entre quem depredou e quem foi preso de maneira arbitrária, Douglas Belome explicou que vão ajudar inicialmente a todos e analisar caso a caso. “Como convocamos o ato, nos sentimos responsáveis pelas pessoas detidas. Vamos analisar os casos junto aos advogados que estão nos apoiando e ver se as pessoas foram presas realmente pelos crimes que lhes são atribuídos. Todos que foram detidos em virtude das manifestações, vão receber apoio do movimento”, explicou.

Siqueira, no entanto, fez uma ponderação sobre os questionamentos. “Está havendo uma inversão aqui. A população foi às ruas e revogou o aumento, mas as perguntas continuam sendo sobre vandalismo”, protestou. Para ele faltam questionamentos ao governador de São Paulo, Gerlado Alckmin, que em nenhum momento dialogou com os manifestantes. “Que explicação deu o governador do estado. Ele que se furtou de todo o debate público com relação a transporte, também batendo nessa tecla de vandalismo”, exclamou.

O militante cobrou que o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, a se pronunciar publicamente. “Eu queria que o secretário, como ele cobra em relação ao que ele chama de vandalismo, que ele se posicionassem sobre as pessoas presas arbitrariamente, sobre o jornalista (Piero Locarelli, da revista CartaCapital) preso por porte de vinagre, sobre a repórter (Juliana Vallone, da Folha de S. Paulo) atingida no olho com uma bala de borracha, ou ainda sobre o excessivo número de bombas de efeito moral com validade vencida utilizadas na repressão às manifestações. Que posição eles tomaram até agora?”, questionou.

Siqueira terminou cobrando a própria imprensa a se posicionar. “Eu espero que a própria imprensa, que foi agredida pela Polícia Militar, não compre essa ideia de vandalismo, do Estado”, completou, no que foi prontamente complementado por Mayara. “Vândalo é o Estado. Nossa radicalidade está em trancar as ruas e parar a cidade. A gente entende que a insatisfação popular se manifesta de diversas formas, mas em geral, a radicalização surge como resposta à violência do estado”, afirmou.

Nesse sentido, os militantes ressaltaram a importância da atuação da imprensa no desenvolvimento dos protestos. “Não apoiamos nenhum tipo de violência contra jornalistas. Eles têm o direito à exercer a profissão e ninguém, governo, polícia ou qualquer pessoa, pode proibi-los disso”, afirmou Siqueira. “Houve uma atuação importante dos jornalistas de procurar o movimento, ouvi-lo e dar espaço para nossas reivindicações”, completou Mayara.

Porém, Siqueira fez uma ressalva. “Nós entendemos a revolta de algumas pessoas com alguns meios de comunicação pelo histórico deles na vida política brasileira”, disse. E lembrou que houve jornalistas que ironizaram e criminalizaram o movimento no início. “A mudança na cobertura das manifestações aconteceu depois que a imprensa sofreu na pele o que os manifestantes sofrem sempre, quando a polícia é chamada para defender os interesses do Estado e do capital financeiro, contra a população”, concluiu.

Ouça aqui a entrevista da militante do MPL NinaCappello, à repórter da Rádio Brasil Atual Marilu Cabañas sobre a criminalização dos movimentos sociais.