Direitos Humanos

Para Anistia Internacional, polícia brasileira adota práticas repressivas e discriminatórias

ONG reconhece melhora das condições de vida da população, mas afirma que projetos de desenvolvimento ameaçam populações vulneráveis

Elza Fiúza. Arquivo ABr

A Anistia considera desproporcional o número de jovens negros mortos em confrontos com a polícia

São Paulo – A Anistia Internacional afirmou em seu relatório anual sobre a situação dos direitos humanos no mundo que o Brasil continua desrespeitando condições básicas. Para a organização não governamental, apesar da redução de índices de criminalidade em alguns estados, a polícia ainda adota práticas discriminatórias e repressivas que provocam alta letalidade. O relatório classifica como “desproporcional” o número de vítimas de homicídios de jovens negros, principalmente no Norte e Nordeste do país, e afirma que a polícia tem envolvimento com atividades corruptas e criminosas.

“Nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, os homicídios cometidos por policiais continuaram a ser registrados como ‘autos de resistência’ ou ‘resistência seguida de morte’. Apesar das evidências de que esses casos envolviam o uso de força excessiva e de que, possivelmente, seriam execuções extrajudiciais, poucos foram efetivamente investigados”, acrescenta o relatório.

Em novembro do ano passado, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, emitiu um relatório pedindo que se desse fim a nomenclaturas que ajudem a ocultar execuções extrajudiciais. Este ano o governo de São Paulo admitiu promover esta mudança, inicialmente descartada pela Secretaria de Segurança Pública.

“O relatório não apresenta nenhuma novidade”, afirma Danilo Dara, do Mães de Maio, movimento que luta contra a violência policial. “Ele só reitera o que sabemos, a violência sistemática da polícia, a impunidade e a falta de investigação”. 

Ele chama atenção para as informações sobre São Paulo no documento. O relatório aponta o crescimento significativo de homicídios entre janeiro e setembro do ano passado. Nesse período, foram registrados 3.539 homicídios – um aumento de 9,7% com relação ao mesmo período do ano anterior. “Ele mostra o estado de calamidade que existe em São Paulo”, afirma.

O número de assassinatos cometidos por policiais também aumentou de forma acentuada no estado: mais de 90 pessoas foram mortas somente no mês de novembro. A situação, frisa a Anistia, é explicada pela própria polícia como resultado do aumento dos conflitos entre a corporação e organizações criminosas. 

“Infelizmente, o relatório da Anistia Internacional não me surpreende. A nossa segurança pública é tratada como guerra”, disse à Agência Brasil o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous. “Existe hoje na polícia uma política de confronto. Enquanto esse tipo de formação for imposto aos agentes de segurança pública, esta situação não mudará. Quem acaba pagando o preço são os próprios policiais, que são vítimas deste processo. E a população, sobretudo a população pobre de jovens negros e favelados, é vista como o inimigo a ser enfrentado.”

Para Damous, o modelo adotado no país é de “guerra”, apoiado por parte da população por acreditar que a pobreza estimula o aumento dos índices de criminalidade, representando uma ameaça à segurança nas cidades. “A pobreza e a miséria se combatem com política econômica distributiva, saúde, educação e emprego. Essas operações da polícia acabam tendo respaldo de vários setores, que acham que bandido bom é bandido morto. E esse modelo tem de ser substituído pela convicção de que o combate à criminalidade deve estar dentro da lei, dentro da Constituição e dos parâmetros que a nossa legislação estabelece”, argumentou.

Apesar da ascensão de parte da população que vivia na extrema miséria, projetos de desenvolvimento têm ameaçado comunidades vulneráveis, como quilombolas, indígenas e moradores de favela. A não garantia ao direito à terra foi responsável pela condenação a uma vida em “condições deploráveis”, afirma o relatório.

Processos de remoção forçada, principalmente em função de obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016 estão em curso e foram realizadas sem que os moradores fossem informados de modo oportuno. O relatória também afirma que faltam processos claros de negociação com as comunidades para estudar alternativas às remoções e cita o casa do Morro da Providência, a primeira favela do país, no Rio de Janeiro, e do Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo, onde mais de 6 mil famílias foram removidas em janeiro de 2012, mesmo com uma ordem judicial para que a ação fosse suspensa. Durante a ação, a polícia utilizou balas de borracha, gás lacrimogêneo e cães treinados.

O relatório também cita casos em que ativistas pelos direitos humanos que denunciaram situações foram ameaçados gravemente. “Os que desafiavam interesses econômicos e políticos escusos corriam maior perigo. Uma vez que o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos ainda apresentava problemas em sua implementação, a proteção aos defensores era inconsistente.”

A organização critica o processo contínuo de encarceramento e afirma que a tortura é “prática generalizada”. “O déficit de mais de 200 mil vagas no sistema carcerário implica em condições cruéis, desumanas e degradantes extremamente frequentes”.

Um dos exemplos desse tipo de desrespeito é o de Nicilene Miguel de lima, uma ativista rural do município de Lábrea, no estado do Amazonas, ameaçada, espancada e expulsa de sua casa em maio, depois de denunciar a extração ilegal de madeira na região. Embora tenha recebido proteção armada por meio do Programa Nacional de Proteção a Testemunhas, Nilcilene teve de ser retirada da região quando as ameaças contra ela se intensificaram. Desde 2007, pelo menos seis trabalhadores rurais foram mortos naquela área em razão de conflitos por terra, segundo a Anistia.