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Mesmo celebrada há dez anos, festa de bolivianos ainda sofre descaso

Prefeitura de Gilberto Kassab deixa projetos incompletos na praça que abriga feira boliviana

Na Kantuta, gastronomia e apresentações de danças típicas bolivianas. Há 10 anos, feira espera ser regularizada (Foto: Danilo Ramos)

São Paulo – A feira boliviana Kantuta espera por ser regularizada há dez anos. A praça que informalmente leva seu nome, localizada no Pari, no centro de São Paulo, tem sido alvo de reformas da prefeitura, que têm prejudicado o funcionamento da feira e a utilização da praça pelos moradores de seu entorno. A feira ainda espera por seu Termo de Permissão de Uso, de acordo com a associação responsável por ela, e a maioria dos feirantes aguarda por seus cadastramentos.

Das 11h às 19h, todos os domingos, entre 3 mil e 5 mil pessoas, segundo estimativa dos organizadores, circulam pela praça Kantuta, em busca de salteñas, chicharrón, silpanchos, comidas típicas bolivianas vendidas nas 120 barracas da feira, e para prestigiar as apresentações de morenada, tinkus e outras danças folclóricas, que ocorrem ali. A feira atrai moradores do Pari, turistas e membros da comunidade boliviana, que, de acordo com a Pastoral do Migrante Latino-Americana, é composta em São Paulo por cerca de 200 mil imigrantes.

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A comunidade boliviana em São Paulo conta com cerca de 200 mil imigrantes, segundo a Pastoral do Migrante Latino-Americanos (Foto:Danilo Ramos/Rede Brasil Atual)

A Associação Gastronômica Cultural Folclórica Boliviana Padre Bento foi formada por bolivianos que residem no país e simpatizantes à comunidade. Em 2004, a entidade solicitou à Subprefeitura da Mooca a reforma da praça Kantuta. O objetivo era adequar o espaço tanto para abrigar apropriadamente a feira quanto eventos esportivos que ocorriam na quadra localizada ali. Paulo Rodrigues, presidente da associação, conta que, no início do ano passado, a prefeitura desmontou a quadra. “Eles vieram aqui e arrancaram toda a estrutura do esporte, num intuito de reformar a praça. Nós havíamos instalado grades em volta da quadra e traves de futebol, e eles tiraram tudo e deixaram só a mureta”, disse ele. A proposta da prefeitura, de acordo com ele, era instalar novos equipamentos, mas a quadra continua só com a mureta, e, desde então, o campeonato de futebol, que ocorria duas vezes ao ano, durante a feira, e que reunia tanto imigrantes bolivianos, paraguaios e peruanos, quanto times compostos por brasileiros, acabou.

Quadra foi desmontada pela prefeitura e campeonato de futebol de times de imigrantes e brasileiros acabou (Foto:Danilo Ramos/Rede Brasil Atual)

Após o desmonte da quadra, em março deste ano, segundo Rodrigues, a administração municipal realizou novas obras. Instalou “calçadas verdes”, pequenos espaços de jardins, e construiu uma área de concreto para abrigar equipamentos de exercício físico para idosos – que ainda não foram instalados.

Em 28 de fevereiro, o subprefeito Sérgio Carlos Filho, de acordo com o Diário Oficial da Cidade, autorizou a prorrogação da instalação deles para mais 30 dias, a partir do dia 26 daquele mês. Entretanto, mais de 100 dias já se passaram. A empresa contratada para tanto, a Physicus Artigos Esportivos, não quis se manifestar sobre o serviço ou sobre seu prazo. Procurada, a subprefeitura da Mooca afirmou que o processo de aquisição dos equipamentos se encontra na Assessoria Técnica de Assuntos Econômicos e Financeiros, ou seja, ainda espera por aprovação dos custos, o que contradiz o Diário Oficial, pelo qual a instalação deveria estar concluída. A construção da área de concreto, de acordo com Rodrigues, e a implantação de brita em seus arredores acabou com um espaço que servia para os frequentadores da praça usarem skate e de patins. Esses dois projetos não foram desenvolvidos levando em consideração a associação, garante Rodrigues. “Eles nos dizem que não têm verba pra fazer a reforma que tanto pedimos, e o foi feito ficou um serviço meia-boca”, diz.

Paulo Rodrigues, brasileiro casado com uma boliviana, preside a associação responsável pela feira da Kantuta (Foto:Danilo Ramos/Rede Brasil Atual)

A reforma integral da praça ainda não foi realizada. Quando a associação pediu as melhorias, em 2004, desejava construir banheiros para atender aos frequentadores da feira e um palco para cerimônias. Em 2007, entretanto, os próprios organizadores da feira conseguiram autorização do poder público municipal para construí-los.

Quanto às demais realizações, porém, a subprefeitura não respondeu. Ainda não há verba para a reforma, de acordo com a arquiteta Rakel Gomez, que realiza uma pesquisa de doutorado sobre apropriação do espaço público e transformação da cidade pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em São Carlos. Desde novembro do ano passado, por conta de seu doutorado, Rakel se envolveu com a associação e com a problemática da praça.

“A praça sofre, no momento, diferentes projetos da prefeitura, que não estão interligados entre si”, afirma ela. “Existe uma solicitação, vinda da associação, para a reforma na praça junto à Subprefeitura da Mooca, que está em andamento. Não há diálogo entre a subprefeitura e os feirantes e a organização da feira”. Ela explica que a praça não é um espaço de interesses só dos bolivianos, mas também de outros moradores da região. “São vários grupos que têm interesse na obra, e há uma falta de interlocução. O grande articulador desses interesses era a quadra, que, por conta da falta de manutenção, teve alambrado e iluminação retirados. Foi perdido um espaço importante de integração.” E as “calçadas verdes”, segundo ela, são incompatíveis com a atividade da feira. Rakel acredita que não se trata de um completo descaso por parte da prefeitura, mas de uma falta de articulação. “Nas gestões anteriores, sobretudo quando foi cedido o espaço da praça para a feira, houve um esforço grande por parte do poder público em ajudá-la, mas essa articulação foi sendo perdida até o momento que nós nos encontramos”, disse. Ela conta que não teve acesso ao projeto da reforma.

Reformas da prefeitura prejudicaram o funcionamento da feira (Foto:Danilo Ramos/Rede Brasil Atual)

A feira Kantuta foi criada em 2002, após os feirantes bolivianos serem retirados da Praça Padre Bento, também no Pari, onde ocorria uma feira de artesanato. Houve um intenso movimento de moradores da região para que a feira saísse dali. De acordo com Rodrigues, o espaço era pequeno para a proporção que a feira estava tomando. O espaço da praça Kantuta foi cedido pela prefeitura de Marta Suplicy (PT). O nome Kantuta vem de uma flor típica do altiplano andino, que é é verde, vermelha e amarela, as mesmas cores da bandeira boliviana.

Os dez anos da feira foram comemorados em uma festa no domingo passado (1º). Os feirantes entrevistados dizem que a prefeitura os trata com descaso. Jorge Gutierrez é um dos fundadores. Ele vive no Brasil há 30 anos. Chegou ao país para trabalhar com costura, em um sub-emprego, e hoje possui dois restaurantes de comida típica. Ele trabalhou na feira, durante o princípio de sua existência, arranjando postos para imigrantes recém-chegados. “Poderia dizer que a prefeitura é racista, por conta de tudo o que a comunidade boliviana sofre, mas no caso da Kantuta, é um simples descaso”, comentou.

Juan Morales é feirante na Kantuta desde o início da feira. Veio de La Paz em 1992 com sua esposa Maria. Começou trabalhando como garçom em um hotel e hoje vende comidas típicas ali. “A prefeitura é muito burocrática. Até hoje, não temos nosso espaço regularizado”, lamentou.

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