Bom humor e determinação contra o preconceito racial ensina procuradora federal

A Rede Brasil Atual conta a história de superação de uma jovem que viu a discriminação racial como estímulo para trabalhar, estudar e chegar à Procuradoria Federal

Para Lígia, preconceito se combate com trabalho, luta, estudo e paciência (Foto: Sxc.hu/Sanja Gjenero)

“Eu fui vítima de preconceito, muitas vezes. Mas isso não me tirou do caminho. Foi uma alavanca para eu batalhar e chegar onde eu cheguei”.

Bom humor e determinação é a receita da procuradora federal, Lígia Carla Militão de Oliveira, de 31 anos, para superar o preconceito e as dificuldades de uma infância de poucos recursos e muitos sonhos.

Lígia contou à Rede Brasil Atual a emoção e as dificuldades de ser mulher, jovem e uma das poucas profissionais negras na Procuradoria Federal do país. “Quando eu tomei posse, de 450 pessoas, lembro de ter visto uns cinco colegas negros em Brasília, na mesma função”, estima.

Advogada e pianista por formação, Ligia nasceu em Mogi das Cruzes, região metropolitana de São Paulo. Ela e os três irmãos sempre estudaram em escola pública. A universidade e o curso de piano só foram possíveis quando o pai passou num concurso para auditor fiscal de um órgão público.

“Meu pai veio da roça, de Minas. Trouxe os pais, os irmãos dele e os irmãos da minha mãe. Para cuidar de todo mundo, ele trabalhava e estudava. Levava um ovo de lanche para o curso à noite, em São Paulo. Por que ovo alimenta”, ensina.

Desde a faculdade, Lígia lembra de ter poucos colegas negros, em sala de aula. Nos cursos preparatórios, muitas vezes foi a única aluna negra, em salas de quase cem alunos.

Numa conta rápida, durante a entrevista, a procuradora contou mais de 10 cursos específicos para concurso, realizados ao longo de sete anos. De 2001 a 2007, ela morou longe dos pais, estudou e trabalhou ao mesmo tempo para conseguir passar no concurso da Advocacia Geral da União e ingressar na carreira de Procuradora Federal.

Antes, já era funcionária do Juizado Especial Cível de São Paulo. Nesse período, ela acordava diariamente às 6h e só dormia por volta de meia-noite, com raras exceções, aos sábados e domingos.

Superação diária

Os pais de Lígia –  Luís e Maria –  trabalharam duro e estudaram ao mesmo tempo em que cuidavam dos quatro filhos e da família. Hoje, olham felizes para um filho e uma filha que são músicos, um filho fisioterapeuta e a filha mais nova procuradora federal.

Lígia continua estudando, faz pós-graduação em Direito Público, na Universidade de Brasília (UnB) e representa, eleita pelos colegas, os procuradores do escritório de Mogi das Cruzes e região.

A história de superação, salienta ela, nunca pode parar porque o preconceito também não descansa. “Fico indignada, porque as pessoas nos subestimam. Como se não fosse possível um negro trabalhar num órgão importante, num cargo importante”, revela. “A todo momento, há testes e mais teste e mais testes”, dispara.

Uma situação comum e triste, segundo a procuradora, é a expressão de surpresa das pessoas quando depois de manterem contato por telefone, a encontram pessoalmente. “As pessoas tentam disfarçar a surpresa e disfarçam: ‘Nossa como você é jovem’. Mas por trás disso está o preconceito racial velado”, suscita.

Contra todo o tipo de discriminação – e foram muitas ao longo da vida – Lígia diz que tem uma filosofia de vida: “trabalho, luta, estudo e paciência para não devolver o preconceito com a mesma moeda”.