‘O Bom Canário’ mostra drogas e universo literário com elenco e texto primorosos

Cena de ‘O Bom Canário’. Dramas contemporâneos em direção cuidadosa e elenco brilhante (©Paula Kossatz/divulgação) A peça teatral “O Bom Canário”, do norte-americano Zach Helm, com tradução e adaptação de […]

Cena de ‘O Bom Canário’. Dramas contemporâneos em direção cuidadosa e elenco brilhante (©Paula Kossatz/divulgação)

A peça teatral “O Bom Canário”, do norte-americano Zach Helm, com tradução e adaptação de Mauro Lima, conhecido diretor de videoclipes e de cinema, em cartaz no Teatro Eva Herz, em São Paulo, pode ser apontada, com justiça, como uma trama exageradamente americana para terras brasileiras. Mas essa característica é apenas mais um charme especial para uma história extremamente bem apresentada e marcada por várias reviravoltas, um humor ferino e uma mistura do universo literário com o consumo de drogas, a loucura, a “bad trip”, a sociedade machista e yuppie da década de 80, e as noções de certo e errado.

Jack (numa atuação bastante convincente de Joelson Medeiros) é um escritor promissor, elogiado por um dos mais admirados críticos literários dos Estados Unidos, Mulholand (Marcos Ácher), o que faz com que sua obra tenha as vendas aumentadas e a próxima seja foco de atenção de um dos mais prestigiados editores do país, Stuart (Roberto Lobo).

Ele é casado com uma mulher, Annie (interpretada de modo magistral por Flávia Zillo), viciada em anfetaminas e que, aos poucos, vai enlouquecendo e fazendo o companheiro passar vergonha, por exemplo, durante um jantar de negócios, para desespero de seu agente, Charlie (o divertido Érico Brás). Essa trama, no entanto, serve como superfície para se tratar de questões bem mais profundas da sociedade contemporânea, onde as linhas divisórias entre certo e errado parecem cada vez mais fluidas.

É verdade que há muitos elementos narrativos e piadas típicas do que entendemos pertencer à cultura dos Estados Unidos, mas a direção cuidadosa de Rafaela Amado e Leonardo Netto, sob a direção geral de Camila Amado, e a atuação espetacular de todo o elenco, faz com que o espectador se envolva com a trama da primeira a última cena, se sentindo completamente envolvido durante os 110 minutos da peça.

Há que se destacar também aqui a eficácia da concepção cênica desenvolvida por Leonardo Netto (famoso nome da cena musical carioca desde a década de 80), assim como da trilha musical, também assinada por ele. Caixas móveis, vários livros e sapatos, um sofá, algumas cadeiras e uma gaiola com um canário formam um cenário totalmente flexível e adaptável.

Essa característica, acrescida de uma iluminação bastante esperta, possibilita, por exemplo, que duas cenas possam ocorrer concomitantemente em cada uma das metades do palco, apenas com o acender e pagar de luzes. Ou que dois diálogos possam ocorrer ao mesmo tempo, sem confundir a compreensão de ambos. 

O excelente texto de Zach Helm, apontado como um dos melhores roteiristas de Hollywood, ganha no Brasil uma adaptação extremamente competente. Sem esvaziar as características do original, inclusive no que se refere ao linguajar e ao tipo de humor em busca de uma “climatização nacional”, ela mostra-se eficiente e envolvente, ao contar com um elenco extraordinário e refletir sobre o mundo das artes e os problemas comuns a sociedade contemporânea, estabelecendo certo diálogo, por exemplo, com a ótima peça “JT – Um Conto de Fadas Punk”, da brasileira Luciana Pessanha.

Serviço
Peça “O Bom Canário” – Sábados, às 21h, e domingos, às 19h. Até 26/8
Ingressos: R$60
Teatro Eva Herz – Avenida Paulista, 2073 – Livraria Cultura / Conjunto Nacional
T: (11) 3170-4059

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