Para Gadotti, dispersão de atividades em Salvador tirou ‘cara de fórum’

Educador e membro do Comitê Internacional comemora qualidade dos debates sobre oportunidades geradas pela crise e avisa: ano eleitoral começou

O ano eleitoral começou em Salvador, na visão de Moacir Gadotti, diretor-geral do Instituto Paulo Freire e membro do Comitê Internacional do Fórum Social Mundial. A presença de personalidades como o governador da Bahia Jacques Wagner e do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Patrus Ananias aumentou a ênfase de debates relacionados ao futuro do país. Além disso, Gadotti destaca discussões relacionadas a oportunidades abertas pela convergência de crises econômica, ambiental e social.

Apesar da avaliação positiva sobre a realização do Fórum Temático na Bahia, o educador considera que houve mais problemas de organização em Salvador do que na região metropolitana de Porto Alegre e que falou “cara de Fórum” ao encontro. A dispersão de atividades entre hotéis e faculdades levou a se perder um dos objetivos do evento que são trocas e conversas entre ativistas fora das atividades, formando alianças e parcerias.

Gadotti discute ainda a ida a Dacar, capital do Senegal, em 2011. Com mais estrutura do que Nairóbi (Quênia), onde ocorreu o Fórum de 2007, a cidade deve fomentar debates sobre o continente africano.

Confira a entrevista:

Entrevista

Moacir Gadotti

diretor-geral do Instituto Paulo Freire

RBA – A sequência de fóruns em Porto Alegre e Salvador teve qual efeito, em sua opinião? Houve um certo esvaziamento?

É preciso entender que o Fórum de 2010 é descentralizado, existem atividades ocorrendo no mundo inteiro, em dezenas de países e cidades. Ele segue o princípio da mundialização e da expansão do Fórum, mas tem um caráter específico, diferente daquele de 2009 e de como vai ser em 2011. Por isso houve, no Brasil, em dois lugares, na região metropolitana de Porto Alegre e em Salvador. Acompanhei a preparação de ambos e depois fui aos dois. No de Porto Alegre, toda a programação relativa aos 10 anos, ao balanço, foi muito bem cumprida. As expressões e a diversidade de pontos de vista colocadas mostrou que é importante que esse debate sobre o formato esteja sempre com a gente. Somos formados com uma cabeça e o Fórum pensa com outra. As sete cidades em Porto Alegre e Salvador cumpriram o que foi programado, mas acho que houve mais problemas de organização no Fórum temático da Bahia, foram maiores as dificuldades cujas razões não sei. Não se compara a experiência de organização de Porto Alegre com a de Salvador.

RBA – Quais foram as dificuldades?

Foi de não conseguir divulgar a programação em tempo hábil, de haver mudanças não confirmadas. Mas os debates ligadas a Crises e Oportunidades tiveram toda a programação executada dentro do previsto, com uma participação extraordinária, sempre com auditórios lotados, falas começando e terminando no horário. E a qualidade foi impressionante.

RBA – Por ter parte das atividades realizadas em hotéis, o clima foi bem diferente de outras edições e mesmo de eventos regionais e temáticos. O “espírito do Fórum” esteve presente?

Sou um otimista crítico. Participei de atividades em hotéis e na universidade. Recebi, do público, uma reclamação quando estava falando no teatro Carlos Gomes, na primeira atividade, em um auditório grande que não estava cheio por problemas de credenciamento no primeiro dia. Uma pessoa criticou o uso em excesso de hotéis. O que aconteceu em Salvador é que as atividades foram muito dispersas, não houve um espaço onde as coisas acontecem. A gente vem para o Fórum não só para falar, ouvir e debater, mas também para se encontrar (fora das mesas e conferências), construir alianças. Não houve aqui um espaço característico para dizer: “aquela é a cara do Fórum”. Mas apesar de todas essas falhas, que acontecem em todos os eventos em maior ou menor grau, acho que o Fórum de Salvador foi importante e exitoso.

RBA – Por que?

Vou colocar dois pontos que me parecem importantes. O primeiro érelacionado a oportunidades criadas pelas crises, de repensar o modelo, paradigmas de vida e civilizatórios. Isso ficou muito mais claro com uma série de atividades. A importância de buscar outro modelo econômico. O outro ponto, sobretudo na mesa da qual participou o ministro Patrus Ananias e o governador do estado (Jacques Wagner) e integrantes da CUT, MST e de outros sindicatos, colocou-se sobretudo o futuro do Brasil. O debate sobre a crise discutiu seus efeitos para a humanidade, apontando alternativas, mas houve mesas que trataram de discussões sobre que país queremos. Se queremos continuar nesse ritmo de reformas necessárias ou se vamos mudar de rumo. Em Salvador, a questão política e eleitoral foi colocada e as contradições também. Participei, por acaso, porque estava passando, de uma reunião da Conlutas (entidade sindical ligada ao PSTU) em que movimentos de esquerda apresentando profundas críticas a governos municipais, estaduais e o federal. Mostraram o lado de muitos problemas que ainda existem. O fato é que o debate político foi muito mais forte do que em Porto Alegre, onde se ficou mais em temas como os dez anos, o Acampamento da Juventude, atividades de economia solidária extraordinárias e uma variedade temática extraordinária. Aqui a questão política foi muito forte e os grupos presentes aqui manifestaram seus pontos de vista com muita veemência. Achei o debate muito caloroso do ponto de vista crítico e eleitoral. Para mim, o ano eleitoral começou em Salvador.

RBA – Depois de Salvador, há outros eventos no mundo, mas em 2011 o Fórum ocorre em Dacar. Como o senhor vê essa nova ida ao continente africano?

O Fórum Social Mundial tem de ser mundial. Ele ainda é muito latino-americano e europeu, tem avançado nos Estados Unidos e no Canadá. Na Ásia e na África, temos muita dificuldade de expansão. Por isso foi a Nairóbi em 2007, mas antes a Karachi (Paquistão em 2006), em edição descentralizada, e Mumbai (Índia) em 2004. Há essa tentativa do Fórum. O continente africano é esquecido e precisamos colocá-lo no mapa de novo. Uma forma de se realçar as contradições e dificuldades dos povos africanos é ir para lá, ver gente, levar pessoas, levar jornalistas – mesmo que da mídia alternativa, já que a do mainstream não se interessa. É uma forma de o Fórum prestar um serviço aos povos da África. Aqui, o Fórum de Salvador também tinha esse objetivo de fazer uma ponte com os países africanos para poder ter mais ênfase nas relações Sul-Sul. Vamos nos preparar agora, tentar organizar melhor o programa. Pelos eventos internacionais que já sediou, Dacar tem mais estrutura do que Nairóbi, fica mais próximo das Américas e da Europa. Depois discutir, em 2009, a Amazônia e o clima, com uma latino-americanidade muito forte, vamos ter uma africanidade forte.