Montagem brasileira de ‘Cruel’, de Strindberg, mostra acidez do amor

O elenco de ‘Cruel’, que faz crítica severa a instituições e moralidades (Foto: ©João Caldas F/divulgação) “Com o amor não se brinca sem castigo”, declara o dramaturgo, romancista e ensaísta […]

O elenco de ‘Cruel’, que faz crítica severa a instituições e moralidades (Foto: ©João Caldas F/divulgação)

“Com o amor não se brinca sem castigo”, declara o dramaturgo, romancista e ensaísta sueco August Strindberg, que é considerado um dos pais do teatro moderno. E nada além dessa frase define o ótimo espetáculo “Cruel”, que ganhou uma versão brasileira dirigida por Elias Andreato, estrelada por Reynaldo Gianecchini, Maria Manoella e Erik Marmo, e que está em cartaz no Teatro Faap, em São Paulo, até 15 de maio.

Um humor ácido e um tom de suspense dominam boa parte do enredo em que Reynaldo Gianecchini é Gustavo, um homem inteligente, perspicaz e audacioso que consegue dominar e controlar as atitudes de Adolfo (Erik Marmo), um artista plástico inseguro e que teme estar sendo traído e enganado pela esposa Tekla (Maria Manoella), mas ao mesmo tempo mostra-se incapaz de viver com ela, a qual ajudou a transformar numa escritora reconhecida. Ele também demonstra atravessar alguns problemas de saúde e é convencido por Gustavo de que a situação é bastante grave.

Numa atuação bastante convincente, Reynaldo Gianecchini parece à vontade e capaz de transmitir do personagem um caráter cínico, que reforçará bastante o andamento da narrativa – que se pode não ter um desfecho surpreendente, mostra ser uma crítica bastante ácida da elite europeia do século XIX. Mais que isso, tratar de temas universais, como amor e traição, e apontar o casamento como uma instituição falida. Talvez Strindberg tenha sido um dos primeiros a fazer tal crítica. Nesse sentido, Erik Marmo e Maria Manoella, que é objeto de desejo dos dois personagens, estão muitíssimo bem em cena.

A atuação do trio é reforçada pelo trabalho de Elias Andreato, que sempre foi um magnífico diretor de atores. Os três atores também contaram com preparação corporal, de Vivien Buckup; e preparação vocal de Edi Montecchi. É fácil perceber em cena a eficácia desses trabalhos exaustivos realizados nos ensaios. Basta observar como a voz de todos eles é clara e cristalina, e como todos os movimentos foram milimetricamente calculados.

A trama se passa num único espaço, a sala de uma casa, com alguns bancos e mesas, um sofá, um espelho, um cavalete com uma tela, outras telas espalhadas pelo chão e um busto incompleto de mármore retratando Tekla. É como se o espectador tivesse uma visão privilegiada da intimidade de três pessoas. Além disso, há algumas paredes espelhadas, que auxiliam em muito no desenrolar da trama. Fruto de um trabalho muito bem realizado por Fabio Namatame, responsável também pelos figurinos, em que se destacam o belo vestido usado por Maria Manoella e o contraste das roupas masculinas de Reynaldo Gianecchini (mais despojadas) e Eirk Marmo (mais caretas).

A iluminação de Wagner Freire começa bastante sóbria e, conforme vão se desenrolando os três diálogos – entre Gustavo e Adolfo, Adolfo e Tekla, e Tekla e Gustavo –, vai assumindo tons mais escuros e dramáticos. Igualmente sóbria é a trilha musical composta por Daniel Maia, que preenche de modo bastante eficaz os espaços em que aparece.

Portanto, essa nova montagem brasileira de “Cruel”, de August Strindberg, leva o espectador se envolver completamente com a trama muito bem arquitetada e a refletir a respeito do casamento e das armadilhas criadas pelo amor e pela vingança. Temas que, ainda hoje, são extremamente atuais e fortes.

Mas prepare-se, pois muitas das frases ditas pelos personagens soam como lâminas afiadas. “Mas, por favor, não exijam de nós nada de novo / Ou de sensacional / Não irão ver aqui senão a velha lenda da vida / Todas as suas faces, todos os seus horrores / O bem e o mal, a grandeza e pequenez / Intimamente, sem dúvida, mas com confiança e gravidade”, escrever o dramaturgo sueco para o prólogo apresentado na abertura do Teatro Íntimo, em Estocolmo.

Serviço
Peça Cruel – segundas-feiras e terças-feiras, às 21h, até 15 de maio
Ingressos a R$ 60
Teatro Faap – Rua Alagoas, 903, Higienópolis. São Paulo/SP
T: (11) 3662-7233 e 3662-7234

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