Medidas simples contra enchentes são melhores que grandes obras

Na segunda parte da entrevista, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), dá exemplos de medidas não-estruturais que poderiam combater […]

Na segunda parte da entrevista, o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), dá exemplos de medidas não-estruturais que poderiam combater as enchentes em São Paulo e outras cidades. No post de ontem, ele mostrou que a forma atual de lidar com o problema é equivocada e leva a custos altos sem resultados.

Reservatórios de pequena capacidade para retenção das águas das chuvas

Já existe no estado de São Paulo a Lei das Piscininhas (Lei n.º 13.276/2002), que obriga lotes urbanos que tenham mais de 500 m2 de área

impermeabilizada a implantar reservatórios para acumulação de águas de chuva. Mas, por um inegável desinteresse das administrações públicas e por alguma complexidade de seu entendimento, a lei acabou não gerando os resultados esperados. Pode-se evoluir nessa legislação, tornando-a mais abrangente e de fácil entendimento e fiscalização. Apenas com esse tipo de medida, é possível aumentar a permeabilidade do solo em 35%.

Pátios e estacionamentos drenantes

Em uma cidade que adota generalizadamente uma cultura técnica urbanística e construtiva que está na origem das enchentes, a presença e multiplicação de grandes áreas contínuas impermeabilizadas, como estacionamentos e pátios de serviços, representa a forma mais ostensiva de desrespeito à população no que toca à questão das enchentes urbanas. Cresce ainda essa indignação ao sabermos que desde há muito há tecnologias desenvolvidas para dotar esses amplos espaços de considerável condição de permeabilidade para acumulação e infiltração de águas de chuva. Pátios, estacionamentos, estão amplamente contempladas com soluções drenantes já comercialmente disponíveis em todo o país.

No que se refere ao desenho do estacionamento, pode-se trabalhar com os espaços destinados a ficar sob o veículo em condição drenante, com longos canteiros arborizados nos limites dos bolsões, com valas ajardinadas dotadas centralmente de trincheiras drenantes para receber eventuais águas de escoamento, enfim, com um conjunto enorme de arranjos destinados a reduzir substancialmente o Coeficiente de Escoamento da área total utilizada. No que se refere aos pavimentos drenantes as possibilidades também são várias: pisos intertravados assentados sob base de areia, blocos vazados, concreto permeável, piso asfáltico permeável, ou até alguma combinação dessas possibilidades.

Calçadas ajardinadas e sarjetas drenantes

Considerada essa enorme importância em reter águas de chuva faz sentido que nossas calçadas sejam em sua quase totalidade totalmente impermeáveis? Somente a cidade de São Paulo tem cerca de 17 mil quilômetros de ruas. Obviamente, há nesse conjunto ruas e calçadas de todos os tipos, mas vamos considerar que em ao menos metade dessa extensão total haja condição de se implantar faixas permeáveis nessas calçadas, com largura média de 1 metro. Teríamos então algo como 17.000.000 m2 (consideradas as duas calçadas de cada via) de áreas francamente apropriadas para absorver e reter águas de chuva.

Para o estímulo á adoção dessa simples e agradável providência, uma boa idéia seria haver um incentivo tributário para o proprietário frontal implantá-las e mantê-las. Ao mesmo tempo, podem ser adotadas sarjetas drenantes (implantando caixas de retenção e infiltração). Em um programa de implantação progressiva na cidade de São Paulo, teríamos ao final a colossal extensão de 34 mil quilômetros de um ótimo expediente de retenção de águas de chuva. Essas medidas são suficientes para evitar enchentes? Claro que não, mas que, se consideradas como parte de um conjunto de outras medidas não estruturais de mesma natureza, seguramente vão mudar a história desses fenômenos urbanos.

Manutenção da serapilheira em bosques

Serapilheira é o colchão de folhas caídas e restos vegetais que vai se acumulando no chão das florestas naturais. É a serapilheira que proporciona a proteção do solo contra a erosão, dá vida biológica ao solo e o enriquece agronomicamente, torna a terra mais fofa e permeável. Outra característica da serapilheira é absorver ela própria de imediato uma grande quantidade de água das chuvas, reduzindo em muito o volume de água que escorre sobre a superfície do solo e que acabaria chegando aos cursos d’água.

Diga-se de passagem que a decisão de manutenção da serapilheira não exige nenhum dispositivo legal para acontecer, é uma iniciativa que pode desde já didaticamente ser adotada por nossos paisagistas, arquitetos, urbanistas, líderes comunitários, ou quaisquer cidadãos que possam ter algum poder de influência sobre um espaço urbano privado ou público.