Paulistana Caroline Negrão reúne compositores badalados em álbum de estreia

O usual no álbum de estreia de um artista brasileiro é reunir composições próprias ou sucessos de compositores badalados. Correto? Não foi o que fez a cantora paulistana Caroline Negrão, […]

O usual no álbum de estreia de um artista brasileiro é reunir composições próprias ou sucessos de compositores badalados. Correto? Não foi o que fez a cantora paulistana Caroline Negrão, de 27 anos, no recém-lançado álbum homônimo. Ela selecionou canções menos conhecidas de compositores consagrados, como Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Nasi, Zé Rodrix e Moska, entre outros.

Há apenas uma canção de autoria da própria artista, a empolgante balada “Paredes”, que encerra o disco: “Imagino à minha volta todos dançando / E às vezes sinto que precisam de mim / Mas eu não posso senti-los / Em minha volta só mesmo as paredes / Imagino eu abraçando e brincando / Com os meus amores, mas eu… / Eu não posso senti-los / Em meu alcance só mesmo as paredes”.

Os compositores mais presentes são Moska e Casulo, parceiros em quatro das onze faixas, incluindo a dançante e ensolarada “Antes de Começar”, extraída do projeto “Muito Pouco”: “Abri janela para o sol entrar / Mas era a chuva que estava por vir / Liguei o rádio para disfarçar / Mas não tocou o que eu queria ouvir / Peguei um livro pra me distrair / Mas as palavras não estavam lá / Troquei de roupa pronto pra partir / Mas não consigo sair do lugar”.

As outras três fazem parte do mesmo projeto – a doce cantiga “Semicoisas”; a bastante pop “Canção Prisão”; e a impactante “Ainda”: “Ainda que a nuvem seja apenas de fumaça / Toda graça é cristal / Ainda que o amor seja de graça / A pobreza me abraça no final / E mesmo que o caminho seja sonho / Pesadelo tão medonho eu vou dormir / Ainda que eu pareça tão tristonho / De nada me envergonho, não vou fugir”.

Há a dançante “Aqui Não é Meu Lugar”, de Nasi e Nivas, extraída do álbum “Vivo na Cena”, de 2010: “Muitos homens almejam a glória / Mas a glória não almeja ninguém / É um caminho feito de pedras / De virtudes e defeitos também / Pelas ruas e esquinas eu vi / Muitas sombras na alma de alguém / E escapei de peito aberto / Num momento de embriaguez”.

O ex-vocalista do Ira! também é o autor de “Acredito no Amor”, parceria com Kim Kehl, saída do primeiro disco solo dele, “Onde os Anjos Não Ousam Pisar” (2006), cuja canção-título, a belíssima balada composta por Zé Rodrix e Etel Frota, também foi regravada agora por Caroline Negrão, com a presença impactante do piano acústico de Beto Paciello, responsável pelos arranjos e regência de todas as canções, e pela produção do disco, ao lado de Luiz Paraná, marido de Caroline Negrão.

A gravação mais charmosa e empolgante do álbum é “Sem Você”, de Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, que nasceu para tocar no rádio e embalar novos romances, e foi gravada originalmente por Arnaldo, no disco “Qualquer”, de 2006: “Às vezes acredito em mim, mas às vezes não / Às vezes tiro o meu destino da minha mão / Talvez eu corte o cabelo / Talvez eu fique feliz / Talvez eu perca a cabeça / Talvez esqueça e cresça”. Antunes também é o autor da intensa “Excesso Exceto”, parceria com Lenine, lançada originalmente em pelo cantor e compositor pernambucano, no álbum “Labiata”, de 2008.

O trabalho conta ainda com a intensa e dramática “Laços”, de Tiago Bettencourt, e foi registrado no tradicional estúdio paulistano Mosh, entre 29 de agosto e 16 de setembro de 2011, e contou com, além de Paciello, nos teclados, Roger Regelmeier Dias, nas guitarras, violões e ukelele; Maguinho Alcântara, na bateria; Claudio Rocha, no baixo; e Marcio Forte, na percussão. Portanto, “Carolina Negrão” é um álbum de estreia que demonstra a longevidade da artista, que interpreta com intensidade cada uma das canções e sabe se cercar dos melhores profissionais para obter resultado maduro e muito convincente.

Leia a seguir entrevista exclusiva da Rede Brasil Atual com Caroline Negrão.

Como a música apareceu na sua vida?
Eu tenho dezesseis anos de música. Fazia teatro e não era de ficar cantando para alguém, não. Mesmo a minha família não tinha conhecimento. Sabia que eu gostava de estar no palco e de aparecer. Então vivia cantando escondida. Até que um dia estava num dos cursos de teatro que fazia na época e, como eu chegava mais cedo, porque ia direto do colégio para o curso, estava cantando lá e “nem tchum” que um professor tinha ouvido alguma coisa. Acabou a aula e ele simplesmente falou: “Canta para todo mundo ouvir”. “Como assim canta?!”

Eu, que era cara de pau para qualquer coisa, me vi tremendo, extremamente nervosa pela primeira vez na vida. Então tive aqueles três minutos que falei: “Acho que gostei de cantar mais do que de fazer qualquer outra coisa”. Montei o repertório e já comecei a sair por aí vendo quem é que queria o meu trabalho e a mulher tem essa vantagem de evoluir mais cedo. Com onze anos e meio, eu já estava pegando aquele corpo de mulher, embora não sendo, e com aquela capacidade de sair enganando o povo por aí. Então a cada show que eu conseguia fazer, estava no fórum pedindo autorização. Aquela loucura toda de barzinho de Vila Madalena.

Seus pais te acompanhavam ou você tinha um tutor?
Meus pais me acompanharam muito, por um bom tempo, e depois, de quatorze até os dezoito anos, eu fiquei meio sozinha, porque meus pais moravam em Osasco e, como tinha muito trabalho em São Paulo, arrumei um lugar para ficar e poder trabalhar certinho, porque eles não tinham condições de levar a todos os lugares. Então foi um lance meio complicado. Mas eu gostei e, com catorze anos, quando vi que tinha trabalho e estava trazendo um retorno financeiro com a música e com o teatro não, eu escolhi ficar com ela. Não sei te dizer do que eu gostava mais. Hoje não consigo me ver atuando, mas, na época, acho que optei pelo retorno financeiro e não porque eu gostasse mais.

Para você não foi um trauma trabalhar sendo criança?
Não, porque foi uma escolha minha. Às vezes, você tem a família que te incentiva, mas acaba sonhando por você, mas esquece que a criança tem outro sonho de repente. Comigo não foi assim. Eu quis fazer isso e fiz, com as minhas limitações. Eu falei: “Beleza, se pai e mãe não podem sair, então eu vou. Tá bom?” (risos). E é assim que tem que ser.

Como foi a seleção do repertório desse disco, com canções pouco conhecidas de compositores badalados?
Na verdade, eu pedi para o meu marido fazer a primeira seleção de repertório. A gente escolheu várias músicas. Várias mesmo. E na hora que eu fechei, falei: “Também não quero mais ouvir, porque estou ficando maluca” (risos). Eu fiz esse pedido para ela, porque, antes de qualquer coisa, nós tivemos uma banda cover juntos e ele sempre escolheu o repertório e entendeu melhor a minha voz do que eu mesma.

Então achei melhor ele olhar primeiro, baseado, lógico, nas coisas e nos artistas que eu gosto, e coisas em que ele conseguisse visualizar totalmente estruturadas para a minha voz. Ele escolheu muita coisa.  Na hora em que entramos no estúdio, ele ficou me vendo cantar uma por uma. Não era uma vez só. Eram várias vezes, mudando o tom, entre outras coisas.

O que era esse trabalho cover de vocês?
Quando eu comecei a trabalhar com ele, era na Rockstore, com uma banda de rock and roll. Depois, em 2006, a gente montou uma banda pop, com vários estilos, tanto black quanto disco. Era meio festa e, embora tocássemos vários estilos, não tinha aquela cara de banda de formatura. Não era uma banda brega de formatura. Éramos a única banda, na época, que fazia um repertório mesclado nas baladas de São Paulo, mas com uma cara mais moderna. Às vezes ficava meio pop rock pela roupagem que dávamos para as músicas. Então era um repertório totalmente diferente.

E eu sempre fugi desse negócio de gravar um disco, justamente porque sabia que é difícil pra caramba. É outro mercado. Eu tinha muito receio. Mas ele falou: “Vamos gravar”. Eu tive um filho, precisamos parar com a banda e ele me disse: “Vou te dar um disco de presente”. “Como assim?! Eu vou sair compondo agora?! Eu não sou compositora. Tá louco?!”. Eu entrei em desespero. “Não, eu vou gravar um CD, porque acho que é legal. Se acontecer alguma coisa, legal. Se não acontecer, pelo menos a gente tem um disco legal para guardar na gaveta”. Então foi isso e deu no que deu. Acabou virando um disco sério.

Depois que a gente escolheu repertório, fechou o disco com 12 músicas, na verdade, só que uma delas não foi autorizada. Primeiro, a gente gravou tudo e, depois, foi atrás das autorizações dos compositores e artistas. Só teve uma que não entrou – uma música do Nando Reis, linda, mas que só eu posso ter (risos). Essa aqui vai ficar para mim de presente mesmo. Não tem jeito. Mas, na verdade, eu não esperava ter todas essas músicas autorizadas. Então, independente de qualquer coisa, foi um lucro absurdo, porque eu não esperava ter esse disco montado. A gente sabia que estava pegando músicas de artistas que tem um respeito absurdo. Mas acredito que conseguimos atingir o que o compositor espera e eu fiquei muito feliz, porque, de fato, ganhei um CD de presente para trabalhar.

Qual é importância do Beto Paciello (piano acústico, produção, arranjos e regência) nesse disco?
Nesses quinze anos, volta e meia, a gente gravava alguma coisa e não necessariamente os produtores entendem o que o artista quer e isso me assustava muito e o Beto me assustou muito, porque ele vinha na minha casa e não falava de música. Em nenhum momento, ele sentou e falou assim: “Olha, essa música tem que ter tal coisa e tem que ser assim, assim, assado”. Ele nunca falou isso para mim. Então ele ficou um monte na minha casa conversando de tudo. Cada vez que ele ia embora, eu olhava para o meu marido e dizia que não ia acontecer, porque o cara não tinha falado nada até aquele momento.

Então eu entrei no estúdio bem assustada, porque não sabia o que iria acontecer. Mas, na hora em que entrei no estúdio, ele começou a falar: “Pensei nisso, nisso e nisso. É assim, assim, assim, assado”. Eu fiquei tranquila, porque ele entendeu e todos os músicos, que eu não conhecia, também entenderam. E eu não sou uma pessoa que você fala assim: “Eu olho para a cara dela e vejo o artista tal”. Eu não sou assim e tenho certeza que não consigo passar isso para as pessoas. Eu gosto de tanta coisa misturada e, por isso, fica difícil entender os meus limites e onde eu queria chegar. Então foi muito legal. Ele conseguiu entender o que eu era e transpor isso para o trabalho.

Qual é a cara desse trabalho? E o que é “MPB com pimenta”?
A MPB com pimenta foi uma brincadeira de estúdio, mas que é sério. Ele é um disco de MPB, mas não é tradicionalzão, que você está acostumado a ouvir e espera ver um monte de violões para todos os cantos. É um disco em que você vai ouvir algo mais pop, com uma linha de baixo na cara. Você vai ouvir distorção de guitarra. São coisas pouco comuns num trabalho de MPB. Por isso, a MPB com pimenta. Ela é uma MPB – tem todo esse lance elaborado da MPB – e tem aquela sujeira do rock and roll. Ela tem outras coisinhas lá que não fazem parte da MPB. Ali os elementos musicais de outras origens vão se misturando.

Como tem sido o retorno do disco?
Está sendo legal. Lógico que é muito difícil, porque saiu independente e é um negócio que, por mais que você divulgue, você não vê um retorno super rápido. Só que eu tenho me surpreendido, porque percebo que o trabalho está chegando a vários lugares do país e, muitas vezes, fico sem a noção do que está acontecendo. Chegou um e-mail de um cara de Olinda perguntando como fazia para ter meu CD. Não necessariamente eu estava divulgando meu trabalho lá. Então, tudo bem, você vê que está meio devagar, mas está indo (risos). Então o segredo de tudo é muita paciência. No dia 6 de novembro, eu farei um coquetel de lançamento meio atrasado, mas achamos que agora é o momento, só para convidados, e prevemos para janeiro as apresentações para o público.

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