Dois atores em cena. Um deles usa calça, camisa e sapato social, com gravata. O outro está com o mesmo figurino, mas com a cor da calça diferente e com o casaco dele jogado na frente do palco, onde há apenas duas cadeiras e duas banquetinhas, com copos de água. Esse é o cenário que o espectador encontra quando entra o reinaugurado Teatro Alfredo Mesquita, em São Paulo, para ver, gratuitamente, o ótimo espetáculo “In On It”, que tem sessões nesta sexta, sábado e domingo.

A peça – que não é um espetáculo, como bem deixa claro um dos atores em cena – faz parte da mostra especialmente preparada com a obra do dramaturgo canadense Daniel MacIvor, e nela os dois atores se transformam em cerca de dez personagens. Enrique Diaz assina a direção e interpreta um dramaturgo, substituindo Fernando Eiras. O personagem prepara algumas cenas interpretadas e criticadas pelo namorado dele, vivido por Emilio de Mello. Os dois interpretam, discutem a relação entre homens e mulheres, jogam squash e até dançam em cena.

Um dos aspectos cenográficos mais interessantes é que em quase nenhum momento os dois atores dialogam um de frente para o outro, como seria previsível. Valendo-se de um recurso cinematográfico, eles aparecem praticamente o tempo todo de frente para a plateia, o que causa um efeito interessante quando um personagem ameaça entregar, por exemplo, um objeto ao outro. Nesse sentido, a iluminação, extremamente caprichada, conta a favor, muitas vezes privilegiando o “plano médio” de um dos atores.

A trilha sonora (ruído + música + fala) é extremamente requintada. Há alguns clássicos da música, alguns deles inseridos nos próprios diálogos dos personagens, que citam cantores e compositores. Vale muito a pena prestar atenção na riqueza dos ruídos.Pena que, pelo fato do teatro estar ao lado do Campo de Marte e não ter boa proteção acústica, o espectador escuta várias vezes aviões aterrissando e decolando. Num primeiro momento, é possível até acreditar que se trate de um som da própria peça.

A narrativa é toda entrecortada e gira em torno do relacionamento do ator e do diretor, com direito ao momento em que eles se conheceram; e da história de Ray, que recebe do médico um recado fatal. Ele também discute com a esposa e, num dos momentos mais impactantes, mas também mais engraçados, conta para o filho que está doente, mas este parece muito mais preocupado com seus próprios problemas triviais do dia a dia.

“In On It”, portanto, comprova a imensa qualidade dramatúrgica do canadense Daniel McIvor, que ganhou uma montagem brasileira extremamente caprichada, nas mãos do diretor Enrique Diaz, vencedor do prêmio Shell por esse trabalho. Ao trabalhar com a metalinguagem em torno do teatro e relativizar as diferenças entre verdade e mentira, a peça provoca no espectador momentos de mais puro deleite, mas também de muita reflexão a respeito dos problemas comuns a maior parte das sociedades contemporâneas, como o preconceito e o individualismo.

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