‘Beleza Adormecida’ retoma força do cinema australiano

Emily Browning é Lucy, no inquietante e belo ‘Beleza Adormecida’ (Foto: ©reprodução) Como em boa parte do mundo, o cinema australiano é conhecido principalmente em função dos realizadores masculinos, caso […]

Emily Browning é Lucy, no inquietante e belo ‘Beleza Adormecida’ (Foto: ©reprodução)

Como em boa parte do mundo, o cinema australiano é conhecido principalmente em função dos realizadores masculinos, caso de, entre outros, Bruce Beresford (“Conduzindo Miss Daisy”), Roger Donaldson (“A Fuga”), Baz Luhrmann (“Moulin Rouge” e “Australia”), George Miller (“Happy Feet”), Phillip Noyce (“O Colecionador de Ossos” e “O Americano Tranquilo”), Alex Proyas (“Presságio” e “Eu, Robô”) e Peter Weir (“O Show de Truman”). E também em função de produções realizadas fora do país de origem ou aclamadas pelos Estados Unidos.

Nesse cenário, a estreia cinematográfica da romancista australiana Janet Leigh, autora dos livros “Disquiet” e “The Hunter”, que virou filme estrelado por Willem Dafoe, Sam Neill e Frances O’Connor, merece ser comemorada. “Beleza Adormecida”, que chega aos cinemas brasileiros nessa sexta-feira, 30 de março, vem aclamado pelo fato de ter sido selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes do ano passado; pela produção da cineasta neozelandesa Jane Campion (“O Piano”) e pela atuação da jovem atriz Emily Browning, nascida em Melbourne, em 7 de dezembro de 1988 e conhecida por atuar em filmes como “Desventuras em Série”.

A garota de 23 anos é Lucy, uma estudante universitária que, logo na primeira cena, aparece como sendo cobaia de um experimento realizado por um médico, que, a certa altura do filme, ela chamará de Frankenstein. Ela se divide entre as aulas da faculdade e o trabalho numa loja de fotocopiadora e num restaurante, e, mesmo assim, mal tem dinheiro para pagar o aluguel, sendo, por isso, humilhada por um dos moradores da casa onde vive. Uma de suas diversões é ir a bares e fazer os comentários e ofertas sexuais mais absurdas possíveis, e dar atenção àquele que parece ser seu único amigo, profundamente atingido pela depressão, Birdiemann.

É quando responde a um anúncio de jornal e conhece uma mulher que passa a aliciá-la para jovens senhores, que não podem penetrá-la, mas, ao encontrá-la num estado praticamente semimorto, se satisfazem lhe tocando ou dizendo absurdos em seu ouvido numa misteriosa casa de campo. Como uma “bela adormecida”, Lucy, então extremamente fria e parecendo ser pouco afetada pelas coisas que lhe acontecem, começa a demonstrar certa aversão ao novo trabalho, a ponto de desejar filmar o que acontece. Até que lhe é reservado um final inesperado e dramático.

Se o enredo não é nada comum, a maneira como Janet Leigh o materializa em imagens é enriquecedora. Muitas vezes, ela deixa a câmera estacionada num mesmo detalhe do cenário que não importa à narrativa, enquanto o que há de importante ocorre fora de quadro. Com isso ela acentua o grau de dramaticidade, assim como com a valorização das elipses e dos silêncios. A nova cineasta consegue, assim, pontuar o tom dramático em muitos momentos, valendo-se do uso de câmera lenta, para criar certo clima de terror, e da variação de cores, como se representasse o estado de espírito da garota, extremamente branca e angelical.

“Beleza Adormecida” penetra fundo na abordagem dos fetiches sexuais e do machismo, pelo olhar de uma mulher, algo poucas vezes visto no cinema, ainda mais o australiano, e extrai dali uma rara, dolorosa e profunda realidade. Nem por isso ela cai nos falsos moralismos. Muito pelo contrário. Opta pelas imagens mais cruas e secas possíveis para fazer com que o espectador as complete ao seu bel prazer, valendo-se de uma personagem extremamente fria e angelical, que passa pelos episódios mais tenebrosos como se nada a atingisse, até a reviravolta final. E, com isso, deve ocupar uma posição importante na cinematografia daquele país.

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