Desenvolvimento em foco

SAF traz esperança, mas não solução mágica aos problemas do nosso futebol

A bola corre mais que as pessoas e certamente as soluções mágicas podem representar boa manchete. Mas serão insuficientes ante questões estruturais

Pixabay
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Os problemas na gestão impactam diretamente o mundo do futebol, seja dentro de campo ou na administração

O conceito de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) entrou na pauta como uma questão emergente no mundo do futebol e também na agenda da economia brasileira. Tratamos deste tema em nota técnica na 21ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs). Assim segue aqui uma síntese da nota. A questão chama a atenção da sociedade, porque materializa novas oportunidades diante das crises que impactam diretamente o mercado esportivo. Nesse sentido, este ensaio tenta contribuir para qualificar o debate sobre este complexo tema.

A SAF não pode ser encarada como solução mágica para problemas antigos e estruturais. O tema ganhou ainda mais relevância depois que a diretoria do Cruzeiro anunciou, no dia 18 de dezembro, que Ronaldo “Fenômeno” assumiria a posição de acionista majoritário da Sociedade Anônima de Futebol que comandará o clube. É fato que depois desse anúncio um extenso debate tomou a Toca da Raposa. O desfecho ocorrerá em breve, quando todos os ajustes e revisões enfim serão apresentados e examinados pelo Conselho Deliberativo do clube mineiro.

O anúncio feito pelo Ronaldo caiu como uma bomba no mercado esportivo nacional. Tanto que, na sequência, a medida foi adotada ou está em fase de adoção por dezenas de clubes, como Vasco da Gama e Botafogo. Desse modo, a chegada da SAF no Cruzeiro amplificou o debate sobre novas possibilidades de administração do futebol.

A SAF de fato pode ser uma boa alternativa para o momento que atravessa o mundo do futebol. Isso na medida em que conseguir traduzir parcerias reais e concretas capazes de reconhecer os dramas do passado. E também se apresentar-se com competência e atitude para enfrentar as obrigações do futuro. No entanto, alertamos para os riscos de que essa possibilidade se transforme em uma panaceia, o que seria um grave equívoco.

Ponto de partida

Por outro lado, o debate trazido pela SAF pode conseguir ajudar dirigentes e profissionais do mundo do futebol a encontrar soluções melhores para os dramas do esporte e seus problemas de gestão. Desse modo, poderá, inclusive, inspirar a cena econômica nacional carente de soluções mais criativas e menos engessadas. E que de fato sejam socialmente responsáveis.

A nosso juízo, para o aprofundamento dos próximos passos em relação a esse caminho, é importante enfrentar com coragem algumas questões. Neste momento, destacamos três.

Primeiro, não é demasiado reiterar que a natureza da ciência econômica e suas diferentes alternativas para o equacionamento dos problemas não admitem apenas a espera passiva de uma “mão invisível”. As construções jurídicas deste processo de criação das SAF’s e a maneira como os governos se transformaram em “sócios” de algumas soluções sugerem que entre o “céu e a terra de fato há muito mais complexidades que sugerem a vã filosofia”.

Basta lembrar por exemplo que ao longo dos últimos anos não faltaram programas federais para abater dívidas dos clubes, além do Profut, de 2015 estes contaram com o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) de 2017 e no ano passado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional lançou a possibilidade de parcelamento das suas dívidas tributárias.

Ou seja, o que menos contribui neste momento é a existência de um pretenso ideologismo tacanho e simplificador pois para questões complexas certamente precisamos de respostas céleres capazes de romper com fantasias e retóricas pouco eficientes.

A bola corre mais

Segundo, desde sempre consideramos que vale a pena buscar inspiração no celebre texto de Roberto DaMatta: “A bola corre mais que os homens”, esta obra-prima nos sugere o dever de estar atento para o fato de que assim como acontece em campo, na gestão do futebol antes de falar de dribles espetaculares e soluções pirotécnicas é importante tratar do passe correto e do jogo coletivo.

É exatamente por este motivo que ficou evidenciado em nossos estudos e expressamos neste momento que na vida em geral e também no futebol há planos extraordinários que não são executados simplesmente porque estão circunscritos apenas na mente mais ou menos engenhosa de um indivíduo. E nada mais exemplar do que Garrincha em diálogo Vicente Feóla, então técnico da seleção brasileira, que desde 1958 nos relembra que as estratégias perfeitas são fáceis se você assumir que a sua concorrência irá cooperar. Mas na prática quando é que isto acontece?

A vida pode até ser perfeita em slides de PowerPoint, mas é no cotidiano cheio de turbulências e complicações que se faz necessário muito mais do que um plano mirabolante. O planejamento é elementar, mas não é suficiente, este deve ser compreendido como o primeiro passo fundamental de tantos outros que se seguirão.

E para além destes elementos o esporte tem um componente central que precisa obrigatoriamente ser agregado, a paixão. O futebol de fato é uma paixão nacional. Em geral, este elemento precisa ser fortemente considerado sob pena de atrapalhar todos os outros passos.

Evitar erros

Terceiro, assim como em outros setores da sociedade, o debate sobre as alternativas de gestão esportiva nos revelam de maneira contraditória uma série de rankings nacionais de clubes brasileiros. Seja em função dos resultados esportivos, seja por conta do valor das marcas, ou até mesmo do tamanho das dívidas. Todas as estatísticas confirmam que as questões esportivas e particularmente do futebol precisam ser encaradas de fato como parte de um mercado que, a exemplo de outros, sempre conviverá com ameaças e oportunidades.

Os problemas na gestão impactam diretamente o mundo do futebol, seja dentro de campo ou na administração. Por isso se faz necessário a construção de estratégias nas quais se evite cometer erros grosseiros em que muitas vezes inclusive se ignoraram aspectos técnicos, jurídicos, financeiros e de gestão de pessoal.

SAF pode ser luz no fim do túnel do futebol

Nós estamos entre aqueles que acreditamos que com as SAF’s pode haver luz no final de um túnel que se iniciou em 2015 desde a criação do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – Profut.

Por fim, destacamos com um misto de apreensão e otimismo que os recentes anúncios de instituição de SAF’s precisam de cautela e muita prudência e às vezes, se necessário for, “ir mais devagar com o andor, pois o santo é de barro”.

Afinal de contas, a bola corre mais que as pessoas e certamente as soluções mágicas poderão representar uma boa manchete, mas serão insuficientes para enfrentar questões estruturais.

É fato que o noticiário esportivo tem certa mania de individualizar o futebol transformando por vezes um mecanismo coletivo em um show de talentos isolados. E nós sabemos que não é assim que a banda deve tocar.

Deste modo o exame do episódio amplificado pela decisão do Cruzeiro nos confirma mais uma vez que em muitos momentos, mais importante do que o drible espetacular e inusitado, é o passe simples e certo rumo ao objetivo construído coletivamente.

Portanto a criação criação das SAF’s precisa ser observada considerando-se as diferentes possibilidades de modelos de gestão do futebol, e dos diversos sujeitos sociais presentes. Trata-se de uma oportunidade, mas precisa ser observada como parte de um projeto estratégico, onde obrigatoriamente se faz necessário a construção de uma agenda. Do contrário as soluções serão pautadas por um modelo único que não existe e os erros poderão aprofundar um cenário de crises e de dificuldades.

Vamos seguir aprofundando este bom debate!


Marcel Ferraz Camilo é bacharel em Direito pela PUC/SP, Titular da Camilo Martinez Sociedade de Advogados. Atua, no meio do esporte, como gestor esportivo.

Edgar Nóbrega é mestre em economia e doutor em ciência política, professor universitário durante 25 anos em diversas instituições, presidente da empresa Rumo Desenvolvimento.


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