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Otan anuncia: a guerra fria voltou

Decisões tomadas pela Otan na sua última reunião praticamente retomam a atitude de 'contenção' da época da guerra fria, agora contra a Rússia, tomada como continuação estrita da URSS

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Negociações entre Kiev e representantes de forças separatistas acenam para possibilidade de desarme do clima bélico

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada para colocar em prática a política – típica da guerra fria – de “contenção do expansionismo soviético”.  Esse fantasma foi esgrimido naquele período para justificar a política de subordinação política e militar da Europa, e de todas as regiões do mundo sob hegemonia norte-americana, à liderança dos EUA.

O suposto era de que a URSS teria se aproveitado das circunstâncias da Segunda Guerra Mundial para impor sua dominação sobre os países do leste europeu e, a partir dali, se preparava para seguir avançando na direção da Europa ocidental. A Otan foi organizada para conter esse avanço.

Embora fosse produto de uma aliança da Europa com os EUA e suas tropas se situassem no continente europeu, o Comando Geral da Otan sempre esteve a cargo de um militar norte-americano. Foi mais um dos resultados da derrota da Europa na Segunda Guerra. Ela criou os monstros do fascismo e do nazismo e não soube derrotá-los. Foram as intervenções da URSS e dos EUA que permitiram a derrota, sobretudo da Alemanha.

Os efeitos foram a emergência do campo socialista, sob a direção da URSS, e a imposição da hegemonia norte-americana sobre a Europa. Nos acordos de Yalta, no final da guerra, participaram os EUA e a URSS, como as grandes potencias vencedoras, e a Grã Bretanha, por ter resistido à invasão alemã, ao contrário da França, que capitulou. No Conselho de Segurança das Nações Unidas, como membros permanentes, com direito de veto, não foram admitidos os países perdedores da guerra – Alemanha, Itália, Japão –, mas puderam entrar a Grã Bretanha e a França, junto aos EUA e à URSS. A China ingressou posteriormente, quando conseguiu armamento nuclear.

Ao longo da guerra fria foram cumpridos, em geral, os acordos de delimitação de áreas de influência entre as duas superpotências, com a Europa do leste na esfera soviética e a Europa ocidental na esfera norte-americana. Os conflitos foram controlados não apenas por esses acordos, mas também pelo equilíbrio atômico e posteriormente nuclear, entre essas potências, o que faria com que qualquer enfrentamento bélico levasse à destruição de ambos e, provavelmente, de todo o mundo.

Terminada a guerra fria com a derrota da URSS, as fronteiras – sobretudo as europeias – foram redefinidas. Os países do leste europeu se desligaram da área soviética, transformando-se internamente e na sua inserção internacional, sendo integrados à União Europeia e até mesmo à Otan.

Havia um acordo entre Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan, segundo o qual a Otan não chegaria até as fronteiras da ainda então URSS. Esse seria o limite, para resguardar minimamente o país, derrotado na guerra fria e assinando sua capitulação pelas mãos de Gorbachev.

O fim da URSS deveria levar ao fim da Otan, nascida para conter o comunismo. Não foi o que aconteceu. Tony Blair formulou e propôs que a Otan passasse a se dedicar a proteger os direitos humanos em qualquer parte do mundo onde se configurassem genocídios. A Otan assumiu a tese da defesa de “guerras humanitárias”.  Foi assim que, pela primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, forças europeias bombardearam um pais europeu – a Iugoslávia.

Os atentados de 2001 nos EUA promoveram o “terrorismo islâmico” a objetivo central da ação da Otan. A invasão do Afeganistão, do Iraque e da Líbia foram ações nessa direção.

Até que a UE interveio politicamente de forma direta, incentivando que o presidente da Ucrânia fosse derrubado, por sua posição de aproximação com a Rússia. Derrubado, o novo governo ucraniano se propôs ingressar na UE e inclusive na Otan.

Em um momento em que as relações entre a Rússia e os EUA entravam numa fase de colaboração para a resolução pacífica de conflitos – como nos casos da Síria e do irã – os ocorridos na Ucrânia acirraram essas relações, recolocando um novo marco da guerra fria.

As decisões tomadas pela Otan na sua última reunião praticamente retomam a atitude de “contenção” da época da guerra fria, agora contra a Rússia, tomada como continuação estrita da URSS. As negociações começadas entre o governo de Kiev e representantes das forças separatistas – conforme a proposta, aceita, da Rússia – acenam para uma possibilidade de desarme do clima bélico.

Mas a postura da UE e dos EUA é de condenação da atitude da Rússia sobre a Ucrânia, incluindo a incorporação da Crimeia – que o governo de Putin considera como uma página virada. Se for coerente com sua posição, a UE e os EUA não deterão as sanções contra a Rússia, e a nova guerra fria estará instalada para não retroceder. Resta saber, no imediato, se a tensão entre os EUA e a Rússia afetarão a colaboração entre os dois países sobre o Afeganistão, o Irã e a Síria.