Ariovaldo Ramos

Criação, natalidade, mudanças climáticas e a consciência do jardim que Deus desejou

Tenho semeado a ideia de que deveríamos elevar nossos biomas sob maior risco a sujeitos de direito. Nós, cristãos, devemos estimular essa ideia

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“E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
Gn 1.28


Falar sobre sustentabilidade, citando justamente o texto que, à primeira vista, assegura ao ser humano o direito de crescer e dominar indistintamente, pode levar a crer que, por definição, seja esta a posição do autor da frase. Esse verso é conhecido como o mandato cultural, a ordem de Deus para que a raça humana se expanda e assuma o planeta e, geralmente, tem sido interpretado como uma permissão para que a humanidade exerça total domínio sobre a criação.

Essa fala divina, contudo, está inserida no contexto da responsabilidade e do relacionamento. Pois Deus estava entregando o planeta aos cuidados da raça humana, quando ainda éramos parceiros de Deus, antes da queda, antes de nossa desobediência. Portanto, ver o mandato cultural numa perspectiva predatória, que é uma das marcas da rebelião da raça humana contra Deus,  é um contrassenso, não combina com o caráter de Deus, não combina com o estado da humanidade na ocasião, nem com a conclusão divina sobre a sua criação: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Portanto, uma obra sem necessidade de reparos.

A beleza do jardim é a do conjunto, pressupõe harmonia e partilha

É necessário atentar para a existência de um modelo: quando Deus diz dominai, pode parecer, à primeira vista, que não há parâmetros preestabelecidos; pois há muitas formas de exercer domínio, inclusive essa, anti-ecológica que praticamos. Mas, perceba, o contexto e os desdobramentos imediatos falam de um modelo inequívoco: “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15). Deus propôs que o planeta fosse um grande jardim. O jardim é um modelo comunitário. A beleza do jardim é a do conjunto, pressupõe harmonia e partilha dos recursos, uma engenharia onde o espaço, a sobrevivência, a necessidade de crescimento e as características de todos sejam garantidos. Em outras palavras, desenvolvimento sustentado.

No projeto de Deus, o homem é um jardineiro com a peculiaridade de fazer parte do jardim; a restrição de não ameaçar a sobrevivência das demais, que paira sobre todas as espécies, está, por excelência,  sobre o jardineiro, somos responsáveis por administrar o relacionamento do planeta com os seus ocupantes, e destes entre si. É aqui que a questão do controle para a sustentabilidade aparece, não temos o direito de crescer de modo ilimitado, não podemos canalizar todos os recursos para nós,  nem por em risco a sobrevivência do planeta, fazemos parte e dependemos do equilíbrio ecológico.

O controle da sustentabilidade, mais que um direito, é uma obrigação

Se tivéssemos sido o jardineiro que o Criador desejou, a consciência do jardim faria natural o controle para a sustentabilidade. Bem, não o fomos, pelo contrário, tornamo-nos a antítese do jardineiro. Logo, duas questões, imbricadas entre si, se tornaram imperiosas: a racionalização do consumo e o controle por sustentabilidade. Todos os meios salutares podem e devem ser usados para que nossa existência não seja a causa da falência do planeta. Não é tarde para apreender o jardim.

Hoje, apreender o jardim é, necessariamente, engajar-se na luta pela contenção do aquecimento global, o que, no Brasil significa lutar pelos indígenas (protetores naturais da floresta), contra o desmatamento e pela preservação dos biomas. Tenho, inclusive, semeado a ideia de que deveríamos, como os colombianos, elevar nossos biomas sob maior risco, a sujeitos de direito, de modo que possam defender-se de seus agressores, por meio de um representante junto à suprema corte. Tenho sugerido à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) como defensor dos biomas. A Colômbia fez isso com o Rio Atrato, que estava sob ataque dos predadores humanos. Isso exige emenda constitucional, e só com pressão popular tal proposta pode ser considerada pelo Congresso. Quem sabe nós, cristãos, possamos ser os estimuladores.


Ariovaldo Ramos é coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e apresenta o programa Daqui pra Frente toda quarta, às 20h, na TVT

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