Geração 68

‘Companheiros de armas’ se juntam a Dirceu na reta final do julgamento

Maioria das 63 pessoas que acompanharam a sessão de ontem do STF ao lado do ex-ministro militou na resistência à ditadura e estavam ali para dizer que estão com ele até o fim

joão paulo soares

Dirceu conversa com Izaías Almada e Carlos Zaratinni após a sessão de ontem do STF

São Paulo – Pouco antes de começar a sessão de ontem (5) do Supremo Tribunal Federal (STF), que poderia terminar com a prisão imediata de 12 dos condenados na Ação Penal 470, o popular mensalão, um grupo de urubus sobrevoava o prédio onde mora José Dirceu, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. O sol ameaçou sair, mas o céu foi ficando cada vez mais cinzento e a tarde cada vez mais fria.

Dirceu entrou no salão do prédio às 14h50, vestindo uma guayabera (camisa típica dos países do Caribe) branca de mangas longas. Ele não parecia cansado ou ansioso, embora muito provavelmente estivesse. No salão, antigos companheiros de armas ensaiaram uma salva de palmas. Eles eram maioria entre as 63 pessoas que foram assistir ao lado de Dirceu a sessão do STF que poderia mandá-lo para a cadeia pela segunda vez ao longo de sua história de militância política.

Os primeiros a chegar foram o escritor Izaías Almada e o engenheiro Cid Barbosa Lima Jr. Durante a ditadura, Almada militou na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Cid na Ala Vermelha do PCdoB.

“É um momento muito difícil”, comentou Almada. “A gente sabe que aconteceu muitas vezes na História, que faz parte da luta política, do processo histórico, mas quando a gente vive de perto, é duro.”

Cid discordou: “Pra quem já passou o que a gente passou, é moleza!”. Ele se referia aos tempos de prisão e tortura dos anos de chumbo. Almada não se convenceu. Era pior, insistiu, porque agora tudo se passa na democracia que eles, Dirceu e tantos mais lutaram para construir. E não havia nenhuma dúvida ali de que, tanto antes como agora, tratava-se de uma prisão política.

Outros “68”, como são conhecidos os membros desse grupo de combatentes, foram chegando, se abraçando, contando histórias, perguntando pela saúde de José Genoino, rindo, trocando receitas e tecendo conjecturas sobre como seria o fim daquela tarde fria e cinzenta.

No salão, todos se acomodaram em cadeiras de plástico voltadas para uma das paredes, onde era projetada a imagem da sessão do STF, ao vivo.

Na primeira fileira, os cineastas Luiz Carlos Barreto e Jean Claude Bernadet, além da colunista Hildergard Angel, filha da estilista Zuzu Angel, assassinada pela ditadura em 1976 quando procurava por seu filho, Stuart, desaparecido nas mãos dos agentes da repressão. Por ali também, circulando e filmando, outra cineasta, Tata Amaral.

Um pouco atrás estava o escritor Fernando Morais, depois alunos da faculdade de Direito da USP, integrantes da juventude petista, o presidente da CUT, Vagner Freitas, e seu antecessor no cargo, Artur Henrique.

José Dirceu sentou numa posição central, perto de onde estavam a cientista social Misa Boito, da corrente petista O Trabalho; João Paulo Rodrigues, do MST; Luiz Gonzaga da Silva (Gegê), do movimento de moradia popular de São Paulo; e Gilberto Cervinski, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

O salão era uma mistura de militantes de esquerda de várias lutas. Todos petistas de carteirinha ou de coração. Mas todos se perguntavam: “Onde está o PT?”. Havia certa indignação pelo fato de as principais lideranças petistas estarem bem longe dali, em Belém do Pará, onde ocorreria ontem à noite um debate entre os candidatos à presidência nacional do partido.

Num canto, conversavam a socióloga Ana Corbisier e Cida Horta, ambas companheiras de Dirceu nos tempos do exílio em Cuba, quando eles formaram no “Grupo dos 28 da Ilha”, que deu origem ao Movimento de Libertação Popular (Molipo).

Também na fileira da frente estava Carlos Zarattini.

Hoje, 6 de setembro de 2013, faz 44 anos que Zarattini, Dirceu e outros presos políticos foram banidos do Brasil pela ditadura a bordo de um avião Hércules 56, após serem libertados no episódio do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick.

Zaratinni puxou os aplausos quando, na projeção da parede, o ministro Celso de Mello deu um voto que poderia ser favorável a Dirceu. Foi um dos poucos momentos de manifestação coletiva. Era difícil compreender ou acompanhar o falar monótono e rebuscado daquela turma do STF elaborando suas teses sobre embargos declaratórios e infringentes.

Durante o voto de Joaquim Barbosa sobre um desses embargos, alguns cochilavam em suas cadeiras, abrindo o olho de vez em quando para checar o ambiente em volta. Passavam o salão em revista e olhavam na direção de José Dirceu. Ele continuava lá, agora vestindo uma jaqueta de couro preta, ora acompanhando o julgamento, ora trocando opiniões com as pessoas à volta, ora checando as mensagens no celular.

Quando o ministro Luís Barroso sugeriu o adiamento da sessão, os antigos companheiros se ajeitaram nas cadeira redobraram a atenção. Suspense. Joaquim Barbosa disse que não concordava com os argumentos de Barroso, mas ficou sozinho entre seus pares. Por volta das cinco da tarde a câmera da TV Justiça foi se afastando e a imagem do plenário do STF sumiu da parede.

“Acabou?”, alguém perguntou.

“Por enquanto”, alguém respondeu.

Não houve comemoração, mas alívio, distensão. Todos se levantaram. Uns rodearam José Dirceu. Outros discutiam em grupos os significados da sessão e as perspectivas para a semana seguinte. André Tokarski, da União da Juventude Socialista (UJS), se aproximou e deu a Dirceu uma estatueta de um guerreiro de Xian. O simbolismo foi imediatamente assimilado por Dirceu e todos que estavam por ali. Fotos, abraços.

Do lado de fora, outro grupo de fotógrafos subia nas grades do prédio na tentativa de conseguir uma imagem de primeira página do salão, que ficava a uns 20 metros de distância deles.

Mas tudo o que havia, àquela altura, eram velhos parceiros de luta se abraçando e se articulando para a próxima batalha. Calejados e velhos de guerra, a maioria deles preferia não alimentar esperanças de que a situação possa ser revertida na última e derradeira sessão do STF, marcada para quarta-feira, 11 de setembro, quando se completam 40 anos do golpe militar no Chile, outra história de ditadura na América do Sul.

Mas estarão ali de qualquer maneira, mais uma vez, ainda que seja apenas para dizer “estamos com você até o fim”. O que, para Dirceu, certamente não é pouca coisa.