Bolsonaro vai além da pandemia e aprofunda o caos a médio e longo prazo
Medidas de redução de direitos trabalhistas do governo vão reduzir a massa salarial e jogar os trabalhadores em profunda recessão econômica
Publicado 26/04/2020 - 14h44
Engana-se quem avalia o evidente despreparo do presidente Jair Bolsonaro como um elemento capaz apenas de desgastar o próprio governo. Quando ele legitima essa política negacionista que minimiza as consequências do vírus, desconsidera evidências científicas e sanitárias sobre a pandemia e instaura esse desgoverno na condução do problema, o presidente conduz o olhar da incompetência de sua atuação para um fator que é externo ao governo.
Em outras palavras, a responsabilização pela crise do desemprego, um produto direto da incapacidade, inabilidade e irresponsabilidade do governo Bolsonaro, começa a se tornar difusa, minimizando o protagonismo do próprio presidente na profunda crise econômica que vamos entrar a médio e longo prazo. Diga-se de passagem, uma crise premeditada por Paulo Guedes e que já demonstrava sinais de largas perdas de postos de trabalho e reduções de salário mesmo antes da pandemia.
Uma prova desse movimento nefasto foi o último pronunciamento do presidente em que, resumindo, ele atribuiu a “possível” crise de desemprego aos governadores, enquanto ele estaria atrás da cura via cloroquina – dialogando justamente com a falsa dicotomia que a extrema direita bolsonarista prega: salvar vidas ou a economia. Ou seja, enquanto Bolsonaro leva o país ao caos sanitário colocando a vida das pessoas em risco, também corrói as bases econômicas e trabalhistas que permitiriam um possível processo de recuperação econômica no médio e longo prazo.
Crueldade
Outra evidência cruel dessa estratégia de Bolsonaro foi a tentativa de aprovação da MP 905, do contrato verde e amarelo. Essa Medida Provisória alterava 59 artigos da CLT e revoga 37 dispositivos e foi instaurada a toque de caixa pelo governo, enquanto a opinião pública e a mobilização social está voltada para salvar vidas e garantir a saúde pública.
A MP 905 iria extinguir 13º e um terço de férias, porque o patrão poderia diluir em doze vezes, além de criar um imposto para o desempregado de 7,5%. A multa para demissão de trabalhadores cairia de 80% para 20%, permitindo ao patrão demitir trabalhadores com direitos e depois contratar jovens sem direitos numa carteira verde e amarela já totalmente precarizado.
Para quem trabalha na área da saúde e quem trabalha em minas, o adicional de periculosidade sofreria uma queda de 50% para 5%. A medida também permitia o trabalho no domingo sem remuneração extra, excluía o sindicalista da negociação de lucros e resultados e as negociações passariam a prevalecer sobre as leis.
Economistas do Dieese já alertaram, na Rádio Brasil Atual, sobre o evidente aumento da rotatividade, com demissão daqueles que ganham mais para serem substituídos por trabalhadores contratados pelo novo modelo, ou seja, até um salário mínimo e meio. Isso iria causar um achatamento da média salarial de inúmeras categorias que já ganhavam acima desse patamar.
Outra MP virá
As deputadas e deputados do Partido dos Trabalhadores em Brasília atuaram firmemente contra essa crueldade inconstitucional e esse ataque aos direitos trabalhistas. Não levamos e nunca levaremos essa desonra em nossa história.
Apesar de revogada, o governo Bolsonaro prepara uma reedição dessa MP para tentar, novamente, retirar direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, enquanto o país luta para sobreviver diante da maior crise de saúde pública de todos os tempos.
Em tempo, não podemos e não devemos cair no “mal maior” ou “mal menor”, ou na falsa dicotomia entre salvar “vida” e “economia”, porque o atual governo está nitidamente empenhado em destruir ambos e desidratar qualquer possibilidade de construir um amanhã.
É preciso, mais do que nunca, denunciar e escancarar a incompetência do governo em garantir soluções sanitárias para a pandemia, proteger a vida das pessoas, principalmente nas periferias, e revelar o esforço e a intenção desse governo nefasto em destruir a ponte que poderia nos levar para um futuro de recuperação econômica com direitos, justiça e igualdade social.
Juliana Cardoso é vereadora do PT de São Paulo