Desenvolvimento em foco

Crédito consignado no Brasil: análise de trajetória e de interesse público

O crédito consignado teve grande importância no aumento do saldo de operações de crédito no país, e ainda é a opção mais barata disponível no Brasil

Pixabay
Pixabay

O crédito consignado pode ser compreendido como uma política de convergência, uma vez que reuniu camadas de interesses: por um lado atraiu os sindicatos – a partir de demandas específicas dos trabalhadores brasileiros –, por outro, burocratas alocados no Ministério da Fazenda – a partir de demandas e motivações também específicas e distintas. Os efeitos do crédito consignado foram condizentes com os objetivos dos dois atores, embora para ambos de forma restrita. Tratei deste tema na 17ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).

O crédito consignado teve grande importância na trajetória de aumento do saldo de operações de crédito no país. Sobre seus resultados para os agentes de sua proposição, é possível falarmos– em primeiro lugar – sobre os efeitos da introdução de uma nova modalidade de crédito com colateral para os bancos e instituições financeiras. O crédito consignado, juntamente com o desconto de cheques e com o crédito para a compra de veículos – todos colateralizados – possui níveis muito baixos de inadimplência em relação a outras modalidades. Possui níveis bastante inferiores, por exemplo, em relação ao crédito não-consignado e ao cheque especial.

Ao mesmo tempo, quando desagregamos a inadimplência verificada nas operações com crédito consignado entre seus beneficiários, o nível de não-pagamento da dívida é superior no caso dos trabalhadores celetistas. No caso destes, a inadimplência no crédito consignado gravitou na faixa entre 4,5% e 5,8% ao mês durante todo o período, próxima ao crédito para aquisição de veículos, embora ainda muito abaixo de outras modalidades de empréstimo disponíveis no mercado.


RISCO DE FRAUDE| Como vazamento ilegal de dados atormenta a vida dos cidadãos


Tendo como foco os efeitos para os tomadores, a possibilidade de consignação dos empréstimos na folha de pagamentos alterou o perfil anterior de concessão de crédito pessoal no Brasil. Isso porque permitiu tanto a redução do custo do empréstimo, quanto o aumento do seu prazo. Em relação ao crédito pessoal não-consignado, por exemplo, há uma redução no valor das prestações a serem pagas pelos tomadores para um mesmo bem ou serviço, tanto devido ao menor juro cobrado pelas instituições financeiras, quanto devido aos maiores prazos permitidos para a quitação da dívida.

Dessa forma, comparativamente, reduz-se o comprometimento da renda mensal do tomador com o empréstimo. Quando recordamos que uma das justificativa da CUT para o apoio à MP 130 era a substituição de dívidas dispendiosas e inseguras por dívidas mais seguras e mais baratas, então a introdução da modalidade de empréstimos no Brasil cumpre sua finalidade.

crédito consignado
Arquivo EBC

Em relação às taxas de juros para as operações de crédito pessoal com recursos livres, os juros cobrados no cheque especial são os mais altos do mercado brasileiro, seguidos pelas taxas cobradas para empréstimos não-consignados, o que é condizente com seus níveis altos de inadimplência. Em relação às categorias de crédito consignado e crédito para a aquisição de veículos, não apenas exibem as mais baixas taxas de juros disponíveis, como taxas de juros relativamente estáveis.

Se, outra vez, desagregarmos as operações de crédito consignado entre seus beneficiários, novamente são os aposentados, pensionistas e trabalhadores do setor público os mais favorecidos, pagando os menores juros dentro da modalidade. Além do aumento no volume de crédito concedido, portanto, a redução dos custos para o banco teve o efeito de reduzir também o custo para o tomador.


Aposentados pedem fim da impunidade a bancos em crédito consignado


Finalmente, em relação aos prazos médios para a quitação da dívida, o movimento é outra vez similar. O crédito consignado oferece o segundo maior prazo médio da série, tendo superado os oitenta meses, maior que o prazo para o pagamento de empréstimos para a compra de veículos. O consignado apenas não possui o maior prazo entre todas as modalidades de crédito pessoal porque o prazo especificamente concedido aos trabalhadores do setor privado é inferior, embora seja ainda elevado.

Sinteticamente, portanto, podemos afirmar que os efeitos da introdução do crédito consignado no mercado creditício brasileiro foram a diminuição do risco arcado pelos bancos para emprestar às categorias beneficiadas e, por se tratar de contingente expressivo de indivíduos, o aumento no volume de empréstimos pessoais totais concedidos. Ao mesmo tempo, para os tomadores de crédito consignado, houve a redução das taxas de juros e o alongamento dos prazos para o pagamento da dívida contraída. Assim, a possibilidade de consignação cumpre seu papel na expansão do mercado de crédito brasileiro – de forma mais visível que a reforma da Lei de Alienação Fiduciária, por exemplo. E, ao mesmo tempo, cumpre sua função de garantir acesso ao crédito barato, se não para a totalidade, para um conjunto de beneficiários da política.

A partir de dados do Banco Mundial é possível verificarmos não apenas o alargamento do mercado creditício brasileiro em relação à renda nacional, como o fato de o país ter acompanhado o movimento da maioria dos países. Apenas a Argentina apresentou uma trajetória decrescente entre os países selecionados.


ERA DO ALGORITMO | Seus dados pessoais valem muito. E todos estão de olho neles


A análise comparada também demonstra que, a despeito de seu crescimento, o volume de crédito privado ofertado no Brasil como proporção da renda nacional em 2015 – o pico da série temporal no país – seguia ainda distante do volume ofertado por países desenvolvidos e mesmo por países emergentes, incluindo-se Chile, Índia e Rússia. Seguia inferior inclusive ao patamar chileno no ano de 2002 e apresentou evolução muito mais lenta que na Rússia. Sendo ou não desejável um incremento ainda maior no volume de crédito ofertado no país, essa aproximação ao padrão anglo-saxão foi um objetivo do Ministério da Fazenda que não foi plenamente alcançado, caso sua evidência seja o volume da participação do crédito no PIB nacional.

Se a alocação de crédito ao segmento de consumo oferece menores riscos em relação ao segmento produtivo, ampliar o mercado direcionando-o aos mais pobres – cuja probabilidade de inadimplência não é negligenciável – requereu modificações nos instrumentos de crédito para efetivar-se enquanto uma possibilidade comercial. Ainda assim, existem limites além dos quais novos alargamentos do segmento deixam de ser desejáveis para as instituições ofertantes.

Essas considerações relacionam-se tanto à agenda do Ministério da Fazenda, quanto dos sindicatos. O objetivo destes últimos era não apenas abrir o sistema financeiro formal aos trabalhadores celetistas, como garantir a estes trabalhadores crédito barato, permitindo menor comprometimento de sua renda com pagamento de juros e extinguindo sua relação com a agiotagem. O crédito consignado é a opção mais barata de crédito ao consumo disponível no Brasil atualmente, embora o volume efetivamente ofertado aos celetistas seja diminuto.


Leia outros artigos da série “Desenvolvimento em Foco”


Mariana Falcão Chaise é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pesquisadora júnior do Centro de Estudos da Metrópole do = Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e pesquisadora convidada do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.


As opiniões expostas nos artigos da seção “Blog na Rede” não necessariamente expressam opinião da Rede Brasil Atual