Observatório do racismo

Somos iguais em quê? Dados sociais mostram que negro continua na inferioridade

Apesar da lei contra o racismo, negros e pardos têm renda menor, menos acesso à saúde e educação, e também são as maiores vítimas da violência

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Nas 500 maiores empresas com operação no Brasil, menos de 5% dos cargos executivos são ocupados pela população negra

É inquestionável que o racismo em nossa sociedade figure como um problema urgente a ser combatido. Hoje, mesmo após mais de cem anos dos movimentos abolicionistas e do próprio fim da escravidão, é comum encontrarmos atos racistas e preconceituosos, os quais constrangem o indivíduo em relação a seu semelhante – o que resulta do arcaico legado racista que herdamos e perpetuamos em nosso processo de formação social. O negro figura-se sempre como inferior.

No Brasil, ao longo das últimas décadas foi necessária a criação de mecanismos jurídicos para assegurar a igualdade entre todos os brasileiros. A Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó), fruto da Constituição Federal de 1988, passou a ser um marco importante nesse sentido, ao tratar dos crimes de racismo.

Embora esses mecanismos legislativos tenham surgido como mais uma ferramenta na tentativa acabar com o racismo vigente no país, percebe-se que poucos foram os avanços nesse campo, uma vez que ainda é frequente e constante a violência contra a população negra.

Embora hoje perceba-se mais abertamente a ideia de discriminação racial no país, ainda assim o racismo se apresenta de forma estruturada, velada, mascarada (e em algumas ocasiões, escancarada), fazendo com que os negros ainda ocupem destaque nos baixos indicadores sociais do país. E mesmo com a população brasileira sendo formada majoritariamente por 53,9% de pessoas negras.

Dados recentes do IBGE apontaram que existe uma grande diferença no acesso a níveis de ensino pela população negra: das pessoas na faixa etária entre 15 e 24 anos que frequentavam o nível superior, 31,1% dos estudantes eram brancos, enquanto apenas 12,8% eram negros e 13,4% pardos. Esse levantamento ainda aponta que enquanto para o total da população a taxa de analfabetismo é de 9,6%, entre os brancos esse índice cai para 5,9%; e entre pardos e pretos a taxa sobe para 13% e 14,4%, respectivamente.

O desemprego apontando como um dos maiores problemas enfrentados pelo país na atualidade, apresentou dados desiguais. Quando comparado a variável cor da pele, a taxa de desemprego entre os que se declararam brancos (10,2%) ficou abaixo da média nacional (12,7%) no primeiro trimestre de 2019. Enquanto isso, as taxas entre pretos (16%) e pardos (14,5%) ficaram acima da media.

Segundo dados do Ipea, no Brasil o rendimento médio mensal dos brancos chegou a (R$ 1.780,60), quase o dobro do valor relativo aos grupos de negros (R$ 1.012,76).

A disparidade de renda entre negros e brancos reflete, entre outras coisas, a desigualdade no trabalho. De acordo com o Instituto Ethos, em 2017, nas 500 maiores empresas com operação no Brasil, menos dos cargos executivos são ocupados pela população negra, e apenas 6,3% nos cargos de gerência.

Na área da saúde a situação não é diferente, a análise do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil aponta que nas consultas do SUS os negros e pardos são minoria, como, por exemplo, mostram os dados sobre o exame de pré-natal, no qual 71% das mães de filhos brancos fizeram mais de sete consultas; já o número de mães de filhos pretos e pardos que passaram pelos mesmos exames foi 28,6% inferior. Em relação à Doença de Chagas, 86% da população que notifica a doença é composta por negros (quase sempre diagnosticada tardiamente). Sobre a percepção de saúde: 37,8% da população adulta preta ou parda avaliou sua saúde entre regular e muito ruim, já o índice fica em 29,7% entre as pessoas brancas. Os dados preocupam pelo fato de que muitas vezes a população negra tem no serviço público a única fonte de melhoria de sua saúde e cada vez mais esse sistema apresenta-se burocratizado, mecanizado e insensível, mostrando o andamento do desmonte do Estado de bem-estar social.

Na análise das religiões cultuadas no Brasil, verifica-se um aumento nos casos de intolerância e violência, principalmente contra as religiões de matrizes africanas. Agressões físicas e verbais a membros dessas religiões, destruição de terreiros, queima de imagens sagradas têm sido frequentes nos noticiários, e os números de denúncias crescem a cada ano. São Paulo e Rio de Janeiro lideram o ranking.

Quando analisados outros critérios para o entendimento das relações raciais no Brasil, observamos as mesmas disparidades históricas entre brancos e pretos. De acordo com o Mapa da Violência, as mortes por assassinato entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos.

De um lado, se houve queda de 25,5% dos homicídios da população branca; em contrapartida, houve aumento de 29,8% dos assassinatos na população negra. Ao longo dos anos permanece alto o índice de violência sofrida pela população negra.

Diante desses dados, nota-se que em várias áreas ainda não se fez valer o direito de igualdade entre negros e brancos. E ai nos perguntamos, somos iguais em quê?

O autor é doutorando do programas de pós-graduação em Ciências Sociais na PUC-SP e membro do Observatório do Racismo