Marcio Pochmann

Tributação ecológica: oportunidade singular de corrigir distorções

O sistema tributário não diferencia setores e empresas segundo o impacto da atividade sobre o ambiente. Menos de 2% da arrecadação vêm de compromissos de sustentabilidade por parte do sistema produtivo

CC / Hernandes_Mejia

O sistema tributário brasileiro reúne uma série de ineficiências, sobretudo no que concerne ao afastamento do princípio basilar da justiça fiscal. De um lado, o Estado tem se mostrado historicamente muito forte para cobrar e arrecadar tributos da população pobre e, de outro, extremamente frágil para tributar os ricos, o que revela o seu caráter voltado à classe dominante.

Enquanto o segmento populacional que recebe até dois salários mínimos mensais (R$ 1.576,00) trabalha 192 dias no ano para pagar o conjunto dos impostos, taxas e contribuições, a parcela com rendimento acima de 30 salários mínimos mensais (R$ 23.640,00) compromete 106 dias ao ano. A parte que recebe até dois salários mínimos mensais representa 68% do total da população de 15 anos e mais de idade com rendimento e absorve 30% da renda nacional, embora contribua com 42,1% do total da arrecadação tributária nacional.

O segmento com rendimento de 20 salários mínimos e mais representa 0,7% da população e absorve quase 11% da renda nacional. No caso da tributação, esta mesma parcela da população melhor remunerada contribui com 8,2% do total da receita tributária brasileira.

Este registro deve estar sendo aprofundado por conta das políticas de ajuste fiscal introduzidas em 2015, uma vez que foram elevados tributos indiretos, que são mais regressivos, como a volta da aplicação da Cide (Contribuição de intervenção no domínio econômico). Neste ajuste fiscal, o princípio da justiça tributária terminou sendo desconsiderado, pois não houve até o momento, por exemplo, menção aos impostos sobre ricos, como o de grandes fortunas.

Mas, para além, da questão da justiça fiscal sobre a renda, passa a ganhar importância a tributação ecológica. Isto é, o papel da arrecadação de impostos, taxas e contribuições sobre a sustentabilidade ambiental.

De maneira geral, o sistema tributário praticamente não diferencia setores e empresas segundo o impacto do exercício da atividade econômica sobre a ecologia. Diante dos problemas decorrentes da degradação ambiental, com a elevação do efeito estufa e do aquecimento global, cabe um olhar especial sobre a tributação nacional.

Partindo de estimativas iniciais pode-se constatar que o sistema tributário brasileiro não tem compromisso verde. Menos de 2% do total da arrecadação de impostos, taxas e contribuições estão associadas aos compromissos de sustentabilidade ambiental por parte do sistema produtivo do país.

Em virtude disso, caberia a formação de uma comissão governamental ou do poder legislativo federal voltado ao diagnóstico da situação mais precisa por parte da tributação verde. Aliviar o peso relativo dos impostos, taxas e contribuições sobre os setores econômicos e atividades menos agressivos ambientalmente já seria um bom começo.

Da mesma forma, a elevação da tributação para setores e atividades econômicas com maior peso na degradação do meio ambiente permitiria melhorar o perfil fiscal no Brasil, sem comprometer o total da receita pública. Além de vontade política, o País tem uma oportunidade singular de tornar o sistema tributário mais comprometido com as novas metas do milênio.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.