Argentina

Cristina Kirchner na reta final

É praticamente impossível que a presidenta, mesmo mantendo a maioria no Congresso, consiga mudar a Constituição para se lançar a uma nova reeleição, que a levaria a uma terceira disputa presidencial

Casa Rosada

Ainda que Cristina encontre clima para aprovar mudança na Constituição, eleitorado teria resistência

No dia 27 de outubro, um domingo, a Argentina terá eleições parlamentares. Estarão em jogo os mandatos de 8 senadores e 127 deputados, ou seja, um terço do Senado e a metade da Câmara de Deputados. O resultado pode ser crucial para o que resta do governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Os mais afoitos dizem que na segunda-feira, 28 de outubro, mais do que o resultado o que se verá na Argentina é o começo de 2015, quando será realizada a eleição presidencial.

Hoje, o governo conta com maioria tanto no Senado quanto na Câmara de Deputados, entre parlamentares próprios e aliados. Acontece que dos oito senadores cujos mandatos estarão em jogo, quatro são aliados do governo, e da bancada atual na Câmara, 38 deputados do partido de Cristina e 17 aliados disputam a eleição. Ou seja: a maioria de hoje pode não existir mais daqui a poucas semanas. Os prognósticos não chegam a ser tão nefastos como apregoa a grande imprensa argentina – que na verdade é a oposição mais ativa, contundente e manipuladora do eleitorado –, mas tampouco são positivos como querem o governo e seus aliados.

Caso não consiga manter a maioria que hoje tem no Congresso, Cristina Kirchner enfrentará temporais e aborrecimentos daqui até o fim do seu segundo mandato presidencial.

Caso consiga, o que aliás é bastante provável, mas não fácil, os temporais e as turbulências virão de outra direção: o que fazer em 2015? Pois é a partir das eleições parlamentares deste final de outubro que começam a se ajeitar as peças no grande tabuleiro da disputa de daqui a dois anos.

A esta altura, é praticamente impossível que Cristina Kirchner, mesmo mantendo a maioria no Congresso, consiga mudar a Constituição para se lançar a uma nova reeleição, que a levaria a uma terceira disputa presidencial. E ainda que consiga, dificilmente haveria clima político e apoio do eleitorado para vencer.

Diante desse panorama, e principalmente da ausência de um herdeiro natural para o kirchnerismo, a pergunta mais persistente entre os eleitores argentinos é quem será a figura que surgirá com força suficiente para disputar a presidência daqui a dois anos.

E, ao mesmo tempo, a permanente dúvida envolvendo o peronismo: qual das tantas tendências do movimento será maioritária? Ao longo dos últimos dez anos, a tendência predominante foi, sem dúvida, o kirchnerismo. Terá se desgastado a ponto de chegar ao esgotamento?

Enquanto essas, e muitas outras, dúvidas não encontram resposta, sobram especulações, rumores, pressões. Dia desses, o sisudo e respeitável jornal britânico The Financial Times apontava que Sergio Massa é a figura emergente no cenário político argentino. Será?

Atual prefeito da cidade de Tigre, na periferia elegante – e profundamente desigual – de Buenos Aires, capital federal, Massa vem de sabe-se lá onde, mas passou rapidamente pelo kirchnerismo: foi, durante dois anos, chefe de gabinete, o que na Argentina corresponde ao posto de ministro-chefe da Casa Civil de Cristina Kirchner. Nas eleições prévias, obrigatórias, realizadas em agosto para confirmar quais seriam (e serão) os candidatos às legislativas deste mês, levou de lavagem, como se dizia no meu tempo. Uma vantagem significativa sobre Martin Issauralde, prefeito de Lomas de Zamora, também na periferia de Buenos Aires porém mais pobre, candidato apoiado diretamente pela Frente pela Vitória, a agrupação kirchnerista que atualmente controla o peronismo.

Evidentemente, e apesar do entusiasmo do veterano jornalão britânico, nenhum dos dois tem gás suficiente para ocupar o lugar de Cristina Kirchner e manter no poder, do jeito que for, com os recortes e concessões necessários, o projeto nacional traçado a ferro e fogo, ao pé do canhão, por Néstor Kirchner primeiro, em 2003, e pela sua herdeira e sucessora Cristina Kirchner depois. Um projeto que, a bem da verdade, mostra falhas e fissuras, umas mais, outras menos graves, mas que continua a nortear a Argentina.

Esse desgaste – inevitável e natural – se agrava, entre outras razões, por falhas e equívocos não apenas do governo, mas principalmente da própria Cristina Fernández de Kirchner. Há dúvidas bem fundamentadas sobre alguns índices econômicos, como inflação e crescimento da economia, há dúvidas igualmente fundamentadas sobre a questão da dívida pública, e também sobre índices sociais, como distribuição de renda e porcentagem da população que vive na pobreza ou na miséria, além, claro, da questão da ocupação da mão de obra.

Mas, ao mesmo tempo, há certezas perfeitamente consolidadas sobre os avanços experimentados ao longo desta década de kirchnerismo.

Tudo isso – ou seja, o futuro muito mais do que o presente – começa a entrar em jogo no domingo, dia 27 de outubro de 2013. No céu, lua minguante. E no cenário político da Argentina?