Pastor piromaníaco periga tocar fogo no mundo

O pastor Terry Jones, da Flórida, insiste em queimar o livro sagrado para os muçulmanos (Foto: Scott Audette/Reuters) Direto de Berlim (Alemanha) – O pastor Terry Jones, agora lotado numa […]

O pastor Terry Jones, da Flórida, insiste em queimar o livro sagrado para os muçulmanos (Foto: Scott Audette/Reuters)

Direto de Berlim (Alemanha) – O pastor Terry Jones, agora lotado numa igreja obscura de uma pequena comunidade na Flórida, decidiu sair do anonimato a que estava relegado.

Anunciou que no dia 11 de setembro vai queimar uns quantos exemplares do Corão (ou Qu’ran, também dito entre nós o Alcorão), o livro sagrado dos muçulmanos, porque esse é um “livro do demônio” e aquela data é uma das provas da incompatibilidade do mundo muçulmano com a democracia, os valores americanos etc. e tal.

É uma boa estratégia? Sim e não. Sim porque, afinal de contas, o pastor saiu do anonimato que, provavelmente, o incomodava. Não, porque, ao sair desse anonimato, trouxe à luz o rabo preso a várias denúncias, entre elas a de explorar fiéis e manipular fundos em benefício próprio na igreja em que antes pregara em Colônia, na Alemanha, de onde saiu de fininho ao ser afastado pelos próprios seguidores – que hoje condenam, com meio mundo, a prometida incineração de livros.

Se os terroristas da Al Qaeda invocaram o Corão ao atacar as torres de Nova Iorque, isso é problema deles, e com certeza terão de prestar contas a Allah por tomarem seu nome em vão. O gesto do pastor equivaleria a incinerar-se Bíblia porque os padres da Santa Inquisição a invocavam enquanto torturavam suas vítimas e as condenavam à fogueira.

Queimar livros é e não é uma boa política. Não é, por motivos óbvios: viola a liberdade de pensamento, os direitos humanos e tudo o mais que sabemos. É uma boa política por seus efeitos imediatos. Cria a imagem de que os autores da queima nada respeitam, aterroriza os inimigos e adversários, e congrega fanaticamente os seguidores num gesto extravagante e aparentemente todo-poderoso, pois os livros não gritam enquanto ardem.

Assim foi na noite de 10 de maio de 1933, quando, dando início a atos semelhantes em série por toda a Alemanha, milhares de jovens nazistas fanatizados empreenderam a queima de outros tantos milhares de obras condenadas ao martírio, por serem “decadentes”, “judias”, “comunistas”, “anti-alemãs” ou outros motivos igualmente estúpidos. O ato se deu em Berlim, na então praça da Ópera, hoje Bebelplatz, em homenagem a August Bebel, um dos fundadores do Partido Social Democrata alemão. Do outro lado da Ópera está até hoje a Faculdade de Direito. Foi o diretor da Faculdade (!) que deu início à essa verdadeira cerimônia fúnebre da inteligência, trazendo livros da biblioteca para a incineração. Joseph Goebbels, o ministro das Comunicações de Hitler, esteve presente ao ato, e discursou, exortando, entre outras coisas, os jovens “a não temer a morte”. Visto de hoje, esse discurso é ambíguo: não temer a morte de quem? Dos livros? A própria? Ou a dos outros? Como disse ainda no séc. XIX o grande poeta judeu-alemão Heinrich Heine, cujas obras foram incineradas na ocasião, em palavras que hoje estão gravadas em bronze na praça: “Ali onde se queimam livros serão afinal queimados homens também”.

Essa pira nazista ficou como um arquétipo da queima de livros universal, embora tenha sido precedida e seguida por milhares de outras. Vale também lembrar o caso do general franquista que, diante do discurso democrata de Miguel de Unamuno numa universidade espanhola, levantou-se e gritou: “Abaixo a inteligência! Viva a morte!”.

Apesar da extensa condenação universal, uma das conseqüências da até o momento inabalável decisão de Terry Jones, foi tirar das sombras um discurso sectário que diz que, “se o Corão for insultado nos EUA, [norte-]americanos terão de morrer, onde estiverem”. “Nossa fé nos obriga a isso”, prosseguem os autores desse discurso digno da Al-Qaeda em diferentes mídias, numa interpretação tão grosseira, ainda que pelo outro lado, do Corão, quanto a do pastor piromaníaco. É o que já alertou o General Petraeus, comandante das tropas norte-americanas e da OTAN no Afeganistão, em cujas mãos – literalmente – a bomba pode explodir.

Também não devemos esquecer que 11 de setembro é a data do golpe no Chile, em 1973, quando as Forças Armadas chilenas, encerrando uma longa tradição de constitucionalidade, bombardearam o Palácio de La Moneda, em Santiago, e provocaram a morte do presidente Salvador Allende, mergulhando o país numa ditadura sanguinária sob a espada – não a batuta – do general Augusto Pinochet.

O regime de Pinochet também se dedicou a queimar livros. Só da biblioteca da Universidade do Chile, então recém inaugurada depois de uma renovação, foram queimadas 1.200 obras, consideradas “subversivas”, etc.

Joseph Goebbels, Torquemada (da Santa Inquisição espanhola), Francisco Franco e seus generais, Pinochet e os seus, Osama Bin-Laden: o pastor Terry Jones está em boa companhia.