Dois terrores, duas medidas: Berlim e Dublin

(Foto: Cathal McNaughton/Reuters) Retorno a Berlim cinzenta e gelada, depois de 12 dias no Brasil, e encontro uma cidade sitiada, de fora para dentro e de dentro para fora. O […]

(Foto: Cathal McNaughton/Reuters)

Retorno a Berlim cinzenta e gelada, depois de 12 dias no Brasil, e encontro uma cidade sitiada, de fora para dentro e de dentro para fora. O ministro alemão do Interior anunciou que há indícios consistentes de que uma equipe de terroristas – provavelmente da Al Qaeda e assemelhados – está a caminho ou já chegou à Alemanha para cometer violências de há muito planejadas. Seriam entre dez e catorze, além das redes de apoio. As ações planejadas seriam do tipo daquelas de Mumbai, na Índia, visando locais públicos, estações, aeroportos, hotéis. A cidade está tomada por policias armados até os dentes. Sucedem-se revistas nas ruas, nas estações de metrô, os corredores dos dois aeroportos da cidade estão abarrotados de metralhadoras em riste.

Não sei o quanto de tudo isso é verdade, mas, é claro, algo é verdade. Um sufoco, e se me permitem a expressão, um saco. A ameaça terrorista alimenta os movimentos anti-islâmicos de extrema direita, cujo preconceito escancarado realimenta a pregação terrorista, que, por sua vez, tresasalimenta a extrema-direita, etc., etc., etc., ad infinitum et ad nauseam. É a negação da política que se dá as mãos, da direita ao extremismo que, no fundo, também é de direita.

Mas não é só esse tipo de terror que encontro no retorno à Europa. Logo ali, na Irlanda, vicejam as guirlandas da catástrofe. Ainda no avião, entre Londres e  Berlim, leio no The Independent – jornal que merece o nome – que a catástrofe irlandesa chegou às raias do insuportável. Quem pode foge do país, cuja rede imobiliária tornou-se um território de desertos (300 mil casas e apartamentos desocupados) e cujo sistema bancário foi à bancarrota. Logo a Irlanda, que era a pérola do Atlântico Norte, a menina dos olhos do sistema neo-liberal, que tudo desregulamentara durante décadas, que tornara-se um paraíso do imposto pouco e do arrocho sobre o funcionalismo público, etc. Pois a fuga de capitais diante da crise de 2008, mais o endividamento público para cobrir as lacunas deixadas por superávits primários ao invés de investimentos, jogaram o país na rua do amargor, mais do que da amargura. Agora a União Européia cogita, com o auxílio do FMI, a remessa de um pacote salvador da Irlanda e do seu sistema bancário, tentando conter com esparadrapo a sangria (mais uma) que ameaça tornar a zona do euro uma colcha de retalhos roída pelas traças da especulação. Para variar, a classe média, os trabalhadores, os aposentados e pensionistas, os investimentos públicos e sociais pagam pela dívida que outros aproveitaram. Como diz o ditado, é melhor dever 50 milhões do que 50 mil, não importa do quê.

Com o pacote cairão sobre a terra devastada mais devastação  e desgraça, sob a forma de uma política recessiva aplicada como remédio para a recessão desencadeada pela farândula financeira tanto no setor público quanto no privado. Similia similibus curantur: terão os economistas ortodoxos se convertido à homeopatia?

Quem, no nosso Admirável Novo Mundo, ainda se encanta com o (claro que admirável, como admiráveis são todos os mundos) Velho Mundo, que vê ainda com aquelas casinhas e torrinhas medievais dos nossos jogos infantis, ou com as doces cores dos calendários suíços, fique sabendo que por aqui as coisas também estão difíceis. Até mais do que aí, porque estamos na época dos desmanches, não das montagens do futuro.