Pedagogia do castigo

Escolas militares de Tarcísio devem ir a votação hoje (14), horas após audiência pública

Projeto do governo amplia o número dessas escolas e garante salários mais altos para PMs aposentados do que para os professores. Tema deve ir a plenário ainda nesta terça, poucas horas depois de consulta à sociedade a respeito

Governo de SP
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Tarcísio aprovou sua lei em tempo recorde, sem debate e com a PM agredindo estudantes contrários

São Paulo – O projeto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que cria o programa Escola Cívico Militar poderá ser votado nesta terça-feira (14), poucas horas após o tema ser debatido em audiência pública na Assembleia Legislativa paulista. O Projeto de Lei Complementar (PLC 09/2024) é o primeiro item da pauta de uma reunião de líderes convocada para as 14 h pelo presidente da Casa, o bolsonarista André do Prado (PL).

A expectativa é que o projeto de interesse de Tarcísio seja encaminhado à votação ainda hoje, poucas horas após o término da audiência pública realizada para debater o tema com alunos, pais, professores e especialistas. Com representação de lideranças dos partidos, o chamado Colégio de Líderes decide a organização da ordem do dia. E também sobre a chamada para sessões extraordinárias.

O colégio é presidido pelo presidente da Casa, da base governista. E o governador fez prevalecer sua maioria entre os parlamentares com a aprovação do projeto que beneficia fazendeiros. Ou seja, estende o prazo para que eles comprem com 90% de desconto grandes áreas que ocupavam há décadas de maneira irregular. Até então o republicano vinha tendo dificuldades para aprovar esta e outras propostas devido à chantagem da base até então descontente.

Aprovado projeto de Tarcísio que entrega aos ruralistas áreas públicas com 90% de desconto

Como os demais projetos de autoria do governo de Tarcísio de Freitas, o das escolas cívico-militares é duramente criticado. Primeiro porque há ênfase na punição dos alunos. E segundo porque cria privilégios para PMs aposentados, que vão ter salários maiores que os dos professores da rede pública.

Escolas militares punem alunos e pagam salários maiores a PMs

Na prática, o projeto autoriza a conversão, fusão, desmembramento ou incorporação de escolas estaduais já em funcionamento para o modelo de escola cívico-militar. Ou seja, o modelo poderá ser implementado em escolas públicas já existentes ou em unidades novas, voltada para educação de jovens e adultos, onde os municípios participarão mediante adesão voluntária.

Pelo programa, a Secretaria Estadual e as secretarias municipais terão a responsabilidade de selecionar as escolas participantes, desde que a vontade da comunidade escolar seja respeitada. E também de criar as normas para o funcionamento dessas escolas.

A gestão terá um núcleo civil, responsável pela gestão pedagógica e administrativa; e militar, que deve acompanhar a organização e a segurança da escola. Esse núcleo será composto por monitores obrigatoriamente policiais militares da reserva, subordinados ao diretor da unidade de ensino. E aí está um grande problema.

Os policiais militares da reserva receberão, para cada jornada diária de 8 horas, limitada a 40h semanais, o valor equivalente a R$ 301,70 por dia. Em 20 dias trabalhados a remuneração será de R$ 6.034. Isso supera o piso salarial pago aos professores, que é de de R$ 5.300.

Regime militar em detrimento do acolhimento e da educação de qualidade

Outra observação: o valor pago aos monitores policiais é quase quatro vezes mais do que recebe um agente de organização escolar, que tem remuneração de R$1.550 mensais, em jornada de 40h semanais. Policiais militares coordenadores ou oficiais poderão ter o valor majorado em até 50%, de acordo com a respectiva patente.

Na avaliação dos deputados do PT, o projeto de Tarcísio prioriza medidas de segurança, como a presença de policiais militares, em detrimento da qualidade da educação, em vez de abordar as causas subjacentes da violência e da criminalidade nas escolas. Ou seja, a desigualdade social, falta de acesso a serviços básicos e oportunidades educacionais inadequadas. Aém disso, a proposta é adotar uma abordagem punitiva, que pode não resolve os problemas reais enfrentados pelas comunidades escolares.

Ainda segundo a bancada, com o projeto o governador demonstra valorizar mais a polícia do que os psicólogos na escola. A contratação desses profissionais para apoiar a equipe escolar no programa de convivência recebem cerca de R$3.000 mensais, por 30 horas semanais trabalhadas.

Conforme especialistas em educação, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o Plano Nacional de Educação (PNE) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preconizam que a educação deve promover a formação de indivíduos autônomos e críticos. Esses preceitos, no entanto, não são referenciais às Forças Militares.

Modelos de educação vão no sentido oposto das escolas militarizadas

Além disso, países que se destacam nos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), como Singapura, Finlândia, Hong Kong e Canadá, caminham na direção oposta ao modelo militar defendido pelo bolsonarismo.

Em meados de 2023, o Ministério da Educação (MEC) iniciou processo de extinção progressiva do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL). Na ocasião, Tarcísio afirmou que não só manteria as escolas como ampliaria a presença no estado.

“Fui aluno de Colégio Militar, e sei da importância de um ensino de qualidade e como é preciso que a escola transmita valores corretos para os nossos jovens. O governo de São Paulo vai editar um decreto para regular o seu próprio programa de escolas cívico-militares e ampliar unidades de ensino com este formato em todo o estado”, disse, em uma rede social.

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