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Diário do México, parte 5: o mundo maia

Como em outras civilizações do atual México, o mundo maia também era extremamente hierarquizado e profuso em sacrifícios humanos e outras religiosidades extremadas

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Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, grandiosa e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma pirâmide

Depois da capital mexicana, fomos à Península de Yucatán, junto ao Caribe. A península é dividida em três estados: Yucatán, Campeche e Quintana Roo (nome de um dos próceres da independência mexicana). Limita ainda com a Guatemala, ao sul, e com Belize, a leste.

Quintana Roo, que fica mais a leste, tem uma hora de diferença – a mais – do que a capital mexicana. Está no mesmo horário que o estado brasileiro do Acre e o extremo oeste do Amazonas.

A península é o espaço central do mundo dos maias, cuja presença se estende até a Guatemala, Honduras e El Salvador. Até não faz muito, os maias eram vistos como os protagonistas de um mundo nebuloso e desconhecido – e “desaparecido”. Esta imagem se deve ao fato de que, fundadas a partir de 1000 A.C., as cidades maias atingiram seu apogeu no chamado “período clássico”, entre 250 e 900 D.C., entrando em declínio posteriormente – mas sem desaparecer completamente.

As causas deste declínio são obscuras. Tradicionalmente se atribui o colapso parcial da civilização a fatores climáticos. Com sua agricultura intensiva os maias contribuíram para o desflorestamento parcial de suas terras, com diminuição consequente das chuvas. As terras da península, sobretudo, são arenosas, o clima subtropical é muito quente e, apesar da existência de água doce em abundância no subsolo – que aparecem em bolsões chamados de “cenotes” – maravilhosos para banhos – os períodos de seca podem ser extensos e prolongados.

Mas estudos mais recentes apontam também causas sociais. Como em outras civilizações do atual México, o mundo maia também era extremamente hierarquizado e profuso em sacrifícios humanos e outras religiosidades extremadas.

Por exemplo, os maias tinham um curioso jogo de bola, ainda hoje praticado em manifestações folclóricas. A bola era muito dura, e só podia ser impulsionada com os quadris, ou com as juntas do corpo, os cotovelos e os joelhos. Duas equipes disputavam o jogo, cujos pontos eram marcados fazendo a bola passar pela “linha de fundo” de um dos times, ou por rodas de pedras perfuradas no centro e colocadas no alto de colunas ou presa às paredes dos “estádios”. No final do jogo, o capitão do time vencedor era decapitado – o que era considerado “uma honra”…

Esta hierarquização levou – como em outras civilizações do atual México, entre as quais a de Teotihuacán é um exemplo – a revoltas sociais que se agravaram com as secas prolongadas. Mas os maias ainda existiam como uma sociedade autônoma quando os Conquistadores da Espanha chegaram, e, como os outros povos, tiveram de ser submetidos a ferro, fogo e… religião. A Conquista foi dura e prolongada, porque os maias se protegiam nas selvas ainda densas da região e se ocultavam nos cenotes, onde a água e a pesca eram abundantes.

Existem centenas de ruínas na península, dando conta da complexidade arquitetônica do mundo maia, de sua sofisticação e de sua riqueza cultural. Eram astrônomos de primeira grandeza e dispunham da única escrita alfabética do continente americano. Além disso, conheciam o conceito de “zero” desde muito antes dos matemáticos árabes, que foram, inclusive, os responsáveis por sua introdução na Europa, depois de o herdarem dos hindus e dos babilônios.

As ruínas maias são, em geral, grandiosas, dando conta da complexidade de sua organização social, de sua estratificação bastante rígida em matéria de classes sociais e de sua articulação com o espaço religioso, bem como de sua militarização, como a dos astecas. Têm um encanto especial, por estarem cobertas ou na vizinhança de florestas algo pujantes ainda.

Visitamos algumas delas: Kabah, com seus adornos de máscaras nas paredes, Uxmal, talvez a mais extensa e grandiosa, Izamal, em cujo centro histórico hoje se confrontam as antigas casas coloniais e uma igreja colossal construída em cima de um antigo templo com as ruínas das pirâmides que restaram, também Tulum, cidade tardia no mundo maia, Foi fundada no século 6 da era cristã, era um porto de mar – um dos únicos dos maias –tinha fins comerciais e era também usada como balneário pelos habitantes de Kabah. Sua área é muito grande. As construções são mais simples e parecem menos acabadas do que as de outras cidades, embora haja vestígios de pinturas e decorações que devem ter sido extremamente ricas.

Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, igualmente grandiosa e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma das pirâmides, que só se deixa ver em determinadas horas do dia durante os tempos dos dois equinócios anuais, o de primavera e o de outono. Conseguimos vê-la, apesar do tempo parcialmente nublado.

Mas – confesso – nenhuma cidade nos encantou tanto quanto as ruínas de Labná. São lindas, e têm um detalhe importante: são muito menos visitadas do que as outras, onde as multidões de acotovelam e se empurram nas filas para comprar entradas. Labná está entregue à floresta, à solidão de um único vigia na entrada, e às iguanas que povoam suas pedras. Não perca, se puder.

Em Izamal, constatamos também o porquê da fama de “desaparecimento” do mundo maia – que, aliás, está mais vivo do que nunca, com sua língua ainda praticada por parte da população. Ali se estabeleceu o padre – depois bispo – Diego de Landa (1524 – 1579). Landa tronou-se um tenaz perseguidor da religião maia, depois que descobriu que os índios a praticavam secretamente mesmo depois de “convertidos”.

Aplicou indiscriminadamente diversas formas de tortura. Dentre elas a mais cruel era a do “içamento”, que consistia em pendurar a vítima com cordas amarradas a seus braços e pesos presos aos pés, coisa que provocava o desconjuntamento dos membros e que foi, aliás, bastante praticado pelos nazistas no campo de Dachau, perto de Munique. Além disso, destruiu um número estimado entre 27 e 200 códices escritos com história maia.

Mandado de volta para a Espanha devido a seus desmandos considerados excessivos, parece ter-se arrependido do que fez e dedicou-se a escrever uma história da cultura e da língua dos maias, num livro recuperado no século 19 e que hoje é considerado uma peça fundamental, apesar de suas distorções, para o entendimento a língua do mundo maia. Em Izamal há um curioso monumento em sua honra, que diz ter ele sido tanto um preservador da cultural local, quando um seu “fanático destruidor”. É o único caso que vi de um monumento ao mesmo tempo laudatório e contrário ao homenageado…

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