Carta aberta

Coletivo da Alemanha elogia ONU por acolher denúncias de Lula

Ação acusa parcialidade e falta de legitimidade dos operadores de “caçada judicial” contra o ex-presidente. Grupo acrescenta ações policiais contra MST e estudantes como sinais de Estado de exceção

Facebook

Grupo promove encontro e protestos em Berlim

O coletivo Berlim-contra-o-golpe (no Brasil) encaminhou nesta semana carta aberta ao Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas. O documento elogiando a decisão do colegiado de acolher a reclamação apresentada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o que vem sendo chamado de “caçada judicial ao ex-presidente”.

O grupo formado cidadãos brasileiros residentes na Alemanha, que se reúnem periodicamente para discutir a situação do país, inclusive promover atos públicos – endossa a extensão das violações aos direitos individuais descritas na ação de Lula. Ressalta ainda o papel da imprensa na criação de “uma onda da opinião pública contra ele”, com base em vazamentos ilegais provenientes da Operação Lava Jato, e descreve os movimentos arbitrários que levam o Brasil a estar “já mergulhado no que se pode chamar de um Estado de exceção”.

Leia o documento

Carta Aberta ao Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos

Remetente: Berlim-contra-o-golpe (no Brasil)
Assunto: Reclamação apresentada a este Alto Comissariado pelo ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva em 28 de julho de 2016
Berlim, 6 de novembro de 2016

Vimos por meio desta carta aberta congratular o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos pela aceitação para exame da Reclamação apresentada a ele pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o que vem sendo chamado de “a caçada judicial ao ex-presidente Lula” – bem como apoiar a iniciativa do ex-presidente.

A Reclamação lista muitas queixas contra o Sistema Judiciário Brasileiro, no que toca as investigações sobre sua vida púbica e privada, e também no que se refere a sua família. A Reclamação considera esses procedimentos como uma perseguição arbitrária e abusiva. Seus principais pontos são:
• A violação de direitos individuais diante de prisão ou detenção ilegais ou arbitrárias.
• Negação de um tribunal independente, justo e imparcial.
• Negação do direito de ser considerado inocente até prova em contrário baseada na lei.
• Negação da proteção contra a violação da privacidade, sua e de sua família, o que inclui vazamentos de informações sigilosas para uma mídia hostil que tende a estabelecer condenações públicas prematuras precedendo a necessária investigação dos fatos.

O ex-presidente Lula nunca pretendeu estar acima da lei. Nunca se recusou a colaborar com a Justiça, sempre que chamado a tal. Mas apesar desses sinais de respeito à lei e ao Sistema Judiciário Brasileiro, foi ilegalmente detido pela Polícia Federal durante seis horas no começo de março deste ano, e conduzido à força ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde foi exposto a uma multidão hostil que gritava palavras de ordem hostis a ele, enquanto outros o apoiavam no mesmo recinto. Esta e outras violações de seus direitos individuais estão extensamente descritas na Reclamação que seus advogados apresentaram a este Alto Comissariado.

Também devemos ressaltar o esforço da maioria da mídia brasileira com sentido de criar uma onda da opinião pública contra ele, com base em vazamentos ilegais provenientes da Operação Lava Jato, a principal investigação sobre a corrupção emanada da rede de empresas em torno da Petrobras, e que até aqui nada descobriu contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Gostaríamos de trazer à consideração outros fatos que demonstram estar o Brasil já mergulhado no que se pode chamar de um Estado de exceção ilegal. É verdade que a Constituição Brasileira reconhece a necessidade de um Estado de exceção em alguns casos: ameaça de guerra, guerra, desastres naturais, calamidade ou comoção sociais, grave perturbação da ordem pública. Atualmente, porém, nada disso ocorre na sociedade brasileira. Mas vemos todos os dias sinais desse avanço ilegal do Estado de exceção, o que significa a negação dos direitos individuais normalmente sob proteção da lei. Ressaltamos dois dentro os muitos casos:

• Em 22 de setembro deste ano, o Tribunal Federal da 4ª Região decidiu que a Operação Lava Jato, conduzida pelo juiz Sérgio Moro, uma das principais fontes de acusação contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “não precisa seguir as regras dos processos comuns”. A decisão, redigida no parecer do juiz Rômulo Pizzolatti e aprovada por 13 dos 14 membros do Tribunal, afirma que a Operação Lava Jato traz à baila “problemas inéditos e exige soluções inéditas”, e também apoia a publicidade na mídia dada à investigação. Esta decisão corrobora a ideia de que a sociedade brasileira está mergulhando, passo a passo, em um Estado de exceção, implicando que a Operação Lava Jato define suas próprias leis para justificar seus procedimentos.

• Nos últimos dias presenciamos muitas invasões de escolas por policiais estaduais sem o devido mandado judicial, para reprimir protestos de estudantes contra o atual governo federal ou governos locais, violando os procedimentos legais adequados em tais situações. O exemplo mais gritante foi a invasão da escola Florestan Fernandes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com os policiais pulando um muro ou uma janela (na filmagem não ficava claro), e atirando para o alto ou para o chão com balas letais, sem qualquer necessidade.

Esses são sinais claros de que a sociedade brasileira adentra um novo período autoritário de sua história, mas o que mencionamos acima já é suficiente para caracterizar o que chamamos de presente Estado de exceção, que justifica a pertinência da Reclamação apresentada em favor do ex-presidente Lula.

Não queremos nos antecipar ao julgamento da Reclamação, que entendemos ser da competência exclusiva do Alto Comissariado. Queremos tão somente considerar que a aceitação da demanda já é, por si mesma, uma valiosa contribuição para a causa democrática no Brasil, ajudando a proteger os direitos de alguém que vem sendo submetido a uma injusta perseguição em nosso país.

Atenciosamente,
Berlim-contra-o-golpe

Em nome do grupo:
Bárbara Santos
Christoph Leucht
Clara Alcione Martins
David Tater Prado
Denise Fonseca de Carvalho
Didice Godinho Delgado
Djé Macedo Quiroga
Flavio Leviz Cesar
Flávio Wolf de Aguiar
Florisbela Maria Guimarães Nogueira Meyknecht
Grace Mendonça
Helga Dressel
Laizio Rodrigues de Oliveira
Ligia Chiappini
Loivo Dalvan de Castro
Mario Francisco Giani Monteiro
Maristela Pimentel Alves
Nilda Bezerra
Peter Boos
Sergio Leites Etchichury
Shirley Rodrigues
Tâmera Vinhas
Zinka Ziebell

English Version

Open Letter to the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights

From: Berlim-contra-o golpe-no-Brasil – Berlin-against-the-coup* (in-Brazil).
Subject: Protocol presented to this Office by the ex-president Luís Inácio Lula da Silva on July, the 28th, 2016.
Berlin, 11/6th/2016

We hereby congratulate and support the decision of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights accepting to consider this Protocol presented by the Brazilian ex-president Luis Inácio Lula da Silva, against what has been called “The Judicial Hunt for former President Lula”.

The Protocol lists many complaints against the Brazilian Judicial System, concerning the investigations about his public and private life and about his family as well. The Protocol characterizes these procedures as an arbitrary and abusive persecution.

The main issues of these complaints are:
• The violation of individual rights against illegal and arbitrary detention or prison.
• Denial of an independent, fair and unbiased court.
• Denial of the right to be considered innocent until proof of a crime duly established by law.
• Denial of the protection against violation of privacy, his or his family’s, including leaks to an hostile media that tends to establish premature public indictments before the necessary investigation of the facts.

Ex-President Lula never claimed to be above the law. He never refused to collaborate with Justice when requested. But in spite of these signs of respect of the law and the Brazilian Judicial System, he was illegally detained for six hours by the Federal Police in the beginning of June and conducted by force to the Congonhas Airport, in São Paulo, where he was exposed to a mob that cried aggressively against him, while others came to support him. These and other violations of his personal rights are extensively described in the Protocol his lawyers presented to the Office. We must underline also the effort of the Brazilian mainstream media to create a wave of public opinion against him, based on illegal leaks coming from the procedures of the Operação Lava Jato (Car Wash), the main investigation over corruption in the Petrobras net of enterprises, and that so far has discovered nothing whatsoever against the ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva.

We would like to consider other facts that demonstrate that Brazil is already under what we can call an illegal state of exception, “estado de exceção”, in Portuguese, or “Ausnahmezustand” in German. It is true that the Brazilian Constitution recognizes the “state of exception” in some cases, like threat of war, or war itself, natural disaster, social calamity or commotion, deep perturbation of the social order. But actually that is not the case nowadays in the Brazilian society.

But we see everyday signs that the Brazilian society is merging, illegally, in such a state, that means the denial of the individual rights to protection under the law. We can underline two major aspects of this merging into an illegal state of exception:

• On September the 22h, 2016, the Regional Federal Court of the 4th Region (Tribunal Regional Federal da 4a. Região) decided that the Operação Lava-Jato, conducted by Judge Sergio Moro, and one of the main sources of accusations against the ex-president Luis Inácio Lula da Silva , “is not obliged to follow the rules of common legal procedures”. The decision, formulated by judge Romulo Pizzolatti, and approved by 13 of the 14 members of the Court, stated that Operação Lava-Jato (Car Wash) brought “uncommon problems, that demanded uncommon solutions”, supporting also the media publicity given to the investigations. This decision corroborates the fact that the Brazilian society is step by step merging into a state of exception, meaning that Operação Lava Jato makes its own laws to support its procedures.

• In the last days we have seen many invasions of schools by the state polices without a due court warrant, to contain students protests against local governments or the federal government, violating the expected legal procedures in such situations.  The most outstanding example was the invasion of Florestan Fernandes School (maintened by the brazilian rural workers movement, MST), where the officers jumped a window or wall and entered it firing weapons with live ammunition without need.

There are other signs that the Brazilian Society is merging into an authoritarian period of its history, but the above mentioned are enough to characterize what we have called the already present state of exception, that underlines the pertinence of the Protocol presented on behalf of the ex-president Lula.

We do not want to pre-judge the demand, understanding that this is the competence of the High Commission. We want only to consider that the acceptance of the Protocol is already a valuable contribution to foster the democratic cause in Brazil and to help to protect the rights of someone that has been submitted to an unjust persecution in our country.

Sincerely yours,
Berlim-contra-o-golpe*.
*berlim-contra-o-golpe {berlin-against-the-putsch) {in Brazil} gathers regularly a group of Brazilian citizens who are living here; among its members there are also people from other countries. It fosters information about what is happening in Brazil and calls demonstrations against the impeachment of President Dilma Rousseff and the actual state of exception that prevails in the Brazilian Society.