Berlim, Berlinale 2010: o cinema é uma febre…

Berlim agora abriga e exibe o melhor do cinema mundial.  Assim como no Brasil as gentes começam a entrar em frenesi, por causa do Carnaval, em Berlim acontece o mesmo… […]

Berlim agora abriga e exibe o melhor do cinema mundial. 

Assim como no Brasil as gentes começam a entrar em frenesi, por causa do Carnaval, em Berlim acontece o mesmo… só que pelo cinema.

Esqueçam os assuntos candentes: o Euro está a perigo, com a crise da dívida pública do governo grego (comento depois); pressionado, o governo alemão primeiro anuncia ajuda a Atenas mas recua depois, por medo da repercussão em seu país (comento depois); o Supremo Tribunal Federal (equivalente) alemão declarou inconstitucional o novo plano do governo para reduzir os auxílios da seguridade social (comento depois); denúncias arrasadoras sobre pedofilia em tradicional colégio jesuíta alemão e de maus tratos horripilantes no treino de recrutas do exército apavoram sociedade berlinense (comento depois); a neve e a continuidade de um dos invernos mais rigorosos nos últimos 30 anos trazem contínuo caos à Europa e à Alemanha, atingindo trens, estradas, metrôs, e aeroportos, além de jogar o número de fraturas e luxações graças às quedas no gelo para a estratosfera (já cansei de comentar).

Esqueçam tudo: assim como no Brasil tudo se esquece porque é tempo de Carnaval, e os atabaques começam a batucar, em Berlim tudo se esquece porque é tempo de cinema e as bobinas começam a rodar. Desculpem a imagem antiga das bobinas, que vem do fundo de minha paixão pelo cinema, forjada nas matinês (nossa, que coisa antiga) dos cinemas de bairro em Porto Alegre.

Na quinta-feira, 11/02, começou um dos festivais de cinema mais importantes da Europa e do mundo, a Berlinale, que chega à sua 60a. edição, e vai até o domingo, 21/2. Centenas de filmes do mundo inteiro serão apresentados a milhares de fãs do cinema vindos de toda a Europa e do mundo inteiro, num dos festivais mais bem organizados do gênero.

O Brasil, que já venceu o prêmio de melhor filme (Urso de Ouro – o urso é o símbolo de Berlim) e outros prêmios (Ursos de Prata e demais distinções) várias vezes, desta vez não estará concorrendo ao grande título. Da competição oficial pelo prêmio máximo, que também já honrou várias vezes filmes de outros países latino-americanos, participa um filme argentino: “Rompecabezas” (“Quebra-cabeça”), de Natalia Smirnoff. O presidente do júri é o venerável Werner Herzog.

Mas o Brasil estará presente através de vários filmes, além dos jovens que comparecem ao seminário internacional sobre cinema “Talent on campus”:

1)      Curtas: “Fucking Different São Paulo”, montagem de 12 curtas de diferentes diretores, produção de Kristian Petersen, sobre o mundo homossexual  paulistano; “Avós”, de Michael Wahrmann (nascido no Uruguai), sobre sobreviventes do Holocausto.

2)      Longas: “Os famosos e os duendes da morte”, de Esmir Filho, filme sobre os dramas da solidão jovem no mundo de uma colônia germânica no Rio Grande do Sul; “Besouro”, de João Daniel Thikomiroff, sobre a capoeira dos anos 20; “Bróder”, de Jeferson De, sobre o mundo da favela, cenário indispensável nos festivais europeus, desta vez focando Capão Redondo, em São Paulo; reapresentação de cópia refeita de “O Santo Guerreiro e o Dragão da Maldade” (por aqui, “Antonio das Mortes”), de Glauber Rocha; reapresentação de “Central do Brasil”, de Walter Salles.

3) Documentário: “Waste Land”, da diretora inglesa Lucy Walker, sobre o mundo dos catadores de papel e da reciclagem.

4)  Júri: no júri internacional de curta-metragens está a cineasta brasileira Zita Carvalhosa.

5) Há também a participação da diretora brasileira Júlia Bacha no filme norte-americano Budrus, sobre o Oriente Médio.

 

Como é de praxe, a Embaixada Brasileira em Berlim oferece uma recepção aos cineastas, jornalistas e demais personalidades do ramo do Brasil e de Berlim no domingo, dia 14; e um debate/entrevista coletiva com os cineastas e jovens do Talent on Campus, que desta vez será no Instituto Ibero-Americano, no dia 17, quarta-feira, às 17 horas, que costuma ser bastante concorrido e mais uma vez terá como moderador este escriba do Velho Mundo, representando a Rede Brasil Atual, a Revista do Brasil e a Agência Carta Maior.

A Berlinale foi fundada em 1951 – patrocinada pela administração norte-americana como um dos meios de reerguer Berlim dos escombros da guerra e a Alemanha da débâcle nazista. Seu sucesso veio de ter ousado descentrar sua programação em todas as direções. Enquanto a maioria dos festivais do gênero se atola numa sensacionalista, mas enfadonha exibição de estrelas e fofocas (o que aqui também existe), a Berlinale optou por multiplicar seus públicos, tendo seções especiais dedicadas a jovens, crianças, homossexuais, por exemplo. Isso ajuda a explicar porque Berlim é uma das cidades do mundo onde, decididamente, ao contrário da maioria, as salas de cinema não estão diminuindo.

Confesso que para mim a atração maior não está em correr atrás de filmes sensacionais, sem dúvida, mas que entrarão depois em grande circuito comercial. Ela é a oportunidade de ver filmes raros, de todos os cantos do mundo, que não entrarão em circuito internacional, ou, se o fizerem, terão nele vida breve, como os filmes do leste europeu, muitos latino-americanos, orientais, etc.

Ou em ver na tela grande cópias restauradas, como essa do filme de Glauber Rocha, ou ainda uma cópia integral, descoberta na Argentina, do filme Metropolis, de Fritz Lang (1927).

A compra de entradas exige dos berlinenses um exercício digno dos grandes clássicos do futebol brasileiro, ressalvadas as proporções: duas horas, três horas de fila, várias vezes na semana. Só se podem comprar, em geral, entradas para filmes que passam nos três dias seguintes ao da transação, e apenas duas entradas por pessoa por filme. Nessas filmes não é raro amizades surgirem, namoros começarem (ou terminarem) e assim por diante.

De todo modo, pode-se dizer que quem não conhece a Berlinale não conhece parte da alma profunda de Berlim.