Berlim: Brasil bom de filme

“Lixo Extraodinário” é um documentário sobre a colaboração artística entre o artista plástico Vik Muniz e os catadores de papel para reciclagem de Jardim Gramacho, na periferia do Rio de […]

“Lixo Extraodinário” é um documentário sobre a colaboração artística entre o artista plástico Vik Muniz e os catadores de papel para reciclagem de Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)

Na Berlinale 2010 (60a. edição) o Brasil provou mais uma vez que não é só bom de bola não. Além de ser a bola da vez na economia e na política mundiais, com prestígio em ascensão quando o de todo mundo desce (até o do Obama), o Brasil continua mostrando que é bom de filme também.

A presença brasileira mostrou que, apesar de seu orçamento modesto em comparação às de agências de outros países, a ANCINE (Agência Nacional de Cinema), sob a direção de Manoel Rangel, vem fazendo um bom trabalho de apoio à produção e ao incremento do alcance do cinema brasileiro.

Apesar de não ter nenhum filme na competição pelo Urso de Ouro (que, junto com Oscar, o Globo de Ouro, a Palma de Cannes, forma a primeira linha do prestígio internacional, além de alguns outros festivais), o Brasil teve um bom desempenho na mostra e levou dois prêmios. Os dois vieram na votação pelo público, o que comprova o prestígio do nosso cinema junto a uma platéia decididamente cinéfila e sofisticada, que é a que ocorre ao festival de Berlim. Foram o 1o. lugar, dado a “Lixo Extraordinário” (Waste Land), uma co-produção britânica e brasileira, com direção de Lucy Walker e co-direção de João Jardim e Karen Harley; e o 2o. lugar dado a “Budrus”, uma produção norte-americana com direção da brasileira Júlia Bacha. “Lixo Extraordinário” é um documentário sobre a colaboração artística entre o artista plástico Vik Muniz e os catadores de papel para reciclagem de Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. “Budrus” é o nome de uma municipalidade de palestinos no Oriente Médio, que seria dividida por um dos tantos muros de isolamento construídos pelo governo de Israel. O filme de Júlia Bacha, também documentário, mostra a resistência da comunidade, apoiada também por pacifistas israelenses e do mundo inteiro.

Além desses filmes, o Brasil contou com o curta “Avós”, do uruguaio radicado em São Paulo Michael Wahrmann, sobre um menino que descobre serem suas avós sobreviventes do Holocausto; “Bróder”, primeiro filme de Jefferson De, ambientado em Capão Redondo, periferia de São Paulo; “Besouro”, primeiro longa de João Daniel Tikhomiroff, ambientado na paisagem do candomblé e da capoeira da Bahia, nos anos 20; “Fucking Different São Paulo”, uma produção da serie “Fucking Different”, patrocinada pelo cineasta alemão Kristian Petersen, com 12 diretores, sobre o mundo da homossexualidade na capital paulistana; e “Os famosos e os duendes da morte”, primeiro longa de Esmir Filho, ambientado na colônia alemã do Rio Grande do Sul, sobre a incomunicabilidade entre as gerações.

Todos os filmes tiveram todas as suas apresentações com casa lotada. Foram aplaudidíssimos e festejadíssimos, os debates com a platéia foram muito bons e o tradicional debate/entrevista coletiva patrocinado pela Embaixada Brasileira foi de excelente nível, com depoimentos, testemunhos, troca de idéias e interpretações de alto nível e enriquecimento mútuo, além de ter-se passado num clima manifesto de solidariedade, mais do que de competição.

Devo dizer que o filme que mais me impressionou foi “Os famosos e os duendes da morte”. A linguagem, misturando internet, plano onírico e o real, é muito inovadora. O tema é muito original, bem como o cenário, às margens do rio Forqueta, na região do médio Taquari. Numa comunidade formada com colonos alemães, as gerações mais velhas falam somente um dialeto próprio, só entre eles, e em extinção. As médias lutam pela sobrevivência num ambiente fechado e conservador. E os jovens buscam na internet uma saída para o fechamento do seu futuro. Neste cenário um dos jovens, o protagonista, tem de fazer escolhas entre a vida e a morte, num momento em que os suicídios se sucedem por falta de alternativas e solidão. A fotografia é ótima, e o desempenho dos atores, todos iniciantes da própria região, é esplêndido.

Esta, aliás, é uma marca de todos os filmes: o mergulho nas comunidades focalizadas, e o contato com atores não profissionais, pertencentes a elas mesmas, como fonte de ambientação. Dá para dizer que é uma tendência. E muito rica.

O Urso de Ouro ficou com o filme turco “Bal”, de Semih Kaplanoglu, sobre o mundo de um menino, nas montanhas da Turquia, que quer reencontrar o pai depois que este desapareceu em busca de meios de sobrevivência para a família.

Mas o “prêmio polêmica” ficou para o cinema germânico, com a ficção histórica “Jud Süss – Film ohne Gewissen”, dirigido por Oskar Roehler, que pode ser traduzido como “Jud Süss – um filme sem remorsos”. O filme se apóia no caso real do ator Ferdinand Marian que em 1940, a pedido de Goebbels, então ministro nazista da propaganda, fez o papel num filme anti-semita que fez sucesso na Europa ocupada, com milhões de espectadores. Na versão em tela o diretor introduziu uma série de detalhes que não faziam parte da história original, como fazer o ator ser casado com uma mulher judia, para amenizar o seu “papel”. O caso revoltou uma parte dos historiadores e do público, que chegou a vaiar o filme na estréia, mais do que aplaudir. Por outro lado, críticos de cinema argumentaram que o filme era um “bom sintoma”, mostrando uma certa liberdade do cinema alemão de hoje em abordar um tema tão espinhoso e pesado como o da Segunda Guerra e do nazismo, coisa que, por exemplo, o cinema norte-americano está careca de fazer.

Em todo caso, entre prêmios e polêmicas, o cinema brasileiro, mais uma vez, deixou sua marca positiva e sua estrela em ascensão.