EUROPA

Eleição na Alemanha: terá sido uma derrota boa para as esquerdas ?

Angela Merkel terá dificuldades para formar um novo governo. As votações do último domingo resultaram em um complicado quadro emergente, que influirá a política de toda a Europa

Olaf Kosinsky/ CC 2.0 Wikimedia

Passando para a oposição, o SPD, de Martin Schulz, mesmo tendo perdido o brilho, pode reencontrar-se com sua esteira histórica

O comentário mainstream na mídia alemã e europeia sobre o resultado da eleição alemãs do último domingo (24) aborda os seguintes aspectos:

1 – Pânico com a ascensão ao Bundestag, o Parlamento Federal (aqui não se usa a palavra “nacional”), de um partido de extrema-direita, o AfD, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra. E com o pé direito (a expressão vem a propósito): é a terceira força no Parlamento.

2 – Admiração pela resistência da chanceler Angela Merkel, apesar dela e seus partidos de apoio direto, a CDU e a CSU bávara, terem saído enfraquecidos, perdendo votos sobretudo para o AfD.

3 – As dificuldades que ela terá para formar um novo governo, uma vez que o SPD (Partido Social-Democrata) não se mostra disposto a renovar a “Grande Coalizão” que compunha o governo.

Mas há aspectos “secundários” que devem ser ressaltados.

A composição mais provável do novo governo será a chamada de “jamaica”, pelas cores dos partidos envolvidos: preta (CDU), amarela (FDP, liberal de direita, que renasceu das cinzas), e Verdes (o PV). No curto prazo isto pode fortalecer os Verdes, que, no governo, poderão crescer na aparição junto à mídia. Mas no longo prazo isto pode ser um novo problema, pois eles integrarão uma coalizão de direita.

No passado, quando os Verdes integraram o governo com o SPD social-democrata, eles cederam a algumas tentações: introduziram, com os social-democratas, as primeiras grandes reformas neo-liberais na economia e na política social alemã. Além disto, apoiaram o envio de tropas alemãs ao Afeganistão. Resultado: perderam parte de seu eleitorado para a recém nascida Linke, a partir da união de uma dissidência do SPD com políticos (não do KPD, comunista) da ex-Alemanha Oriental.

O resultado mais interessante deste complicado quadro emergente, que influirá a política de toda a Europa, pode estar na “derrota” do SPD. Com sua adesão ao neo-liberalismo depois da queda do muro de Berlim, na esteira da “Terceira Via” de Tony Blair, o partido se descorou e esqueceu o “social” de seu nome: Partido Social Democrata. Tornou-se um partido de “direita light”, e neste caminho acabou virando um coadjuvante sem luz própria da política conservadora de Angela Merkel na última década.

Agora, passando para a oposição, o SPD pode reencontrar-se com sua esteira histórica, e como, mesmo descorado, tem uma base sindical bastante forte e fiel, poder puxar o Bundestag mais para a esquerda, ou pelo menos impedir que ele vá mais à direita, puxado pela oposição que promete ser virulenta por parte do AfD.

Isto seria bom para as esquerdas de um modo geral, pois nem a Linke nem a ala esquerda (esperemos que sobreviva) dos Verdes contam com uma base forte naquele meio sindical.

Resta saber se o SPD vai responder positivamente a este novo chamado da (sua) História ou se cederá à tentação de se adequar aos ditames dos economistas e da mídia mainstream alemã e europeia, que qualifica de “populista” tudo o que se afasta do catecismo liberal que professa e prega.