Blindagem

Alckmin nem precisava decretar sigilos por até 25 anos; mas vai que…

O que aconteceria se a presidenta Dilma resolvesse decretar sigilo por 15 ou 25 anos de documentos de interesse público?

Arte sobre foto de Dimitris Kritsotakis/Freeimages.com

O governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo acostumou-se com o engavetamento de pedidos de CPI na Assembleia Legislativa e com a vista grossa com que é tratado pela imprensa tradicional paulista. A blindagem de malfeitos de governos começou a ser rompida com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação em 2012.

A lei determina que órgãos públicos têm de dar informações “não sigilosas” a qualquer cidadão que faça uma solicitação. Até a imprensa passou a usar a lei de acesso para construir suas pautas. Então, o que tem feito o governo Alckmin? Classifica as informações que deseja esconder da população como “sigilosas”.

Desde o ano passado o governador impõe um racionamento de fato, não oficializado, de água na região metropolitana de São Paulo. Contratos sem licitação foram assinados no valor de mais R$ 200 milhões pela companhia de saneamento e abastecimento do estado, a Sabesp, para obras emergenciais. Uma das obras o governador inaugurou, em junho, em um evento pomposo para a imprensa ligando bombas que levariam 1.000 litros de água por segundo do Rio Guaió para a Represa Taiaçupeba, do Sistema Alto Tietê. Passada a cerimônia as bombas foram desligadas e assim ficaram. Motivo: o rio de onde as bombas captariam está sem água.

Reportagens já pediram informações sobre essa obra e outras, sem obter respostas. No dia 30 de maio o Diário Oficial do Estadopublicou decreto da diretoria da Sabesp colocando sob sigilo por 15 anos informações sobre todo o Cadastro Técnico e Operacional da companhia. O decreto livra a empresa de prestar qualquer informação sobre “procedimentos e projetos técnicos e operacionais”. Isto é, nada a declarar sobre obras, perdas por vazamentos, falhas, atrasos, corte de abastecimentos para a periferia, sobre plano de contingência para rodízio. Enfim, a Sabesp pode fazer o que bem entender e o cidadão nada pode saber a respeito. Uma clara violação da Lei de Acesso à Informação.

No caso do “trensalão”, de pagamento de propinas por multinacionais como Alstom e Siemens a autoridades tucanas por contratos na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e o Metrô, o governo tucano conseguiu barrar todos os pedidos de CPI. Como a investigação é internacional, o Ministério Público de São Paulo não teve como engavetar e já denunciou dezenas de executivos por envolvimento no esquema de contratos e fraudes em licitações e ex-diretores de transportes do governo tucano por participar de esquema de propinas. As acusações são o resultado de investigação criminal feita a partir de documentos encaminhados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Ministério da Justiça (Cade).

Neste mês, o governador Alckmin colocou sob sigilo de 25 anos documentos referentes a contratos do Metrô, da companhia de trens CPTM e da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), gestora das operações de ônibus intermunicipais. Os documentos receberam classificação “ultrassecreta” admitida pela Lei de Acesso à Informação, de 2012. E a medida é vista como tentativa de abafar situações de corrupção.

O secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Clodoaldo Pelissioni, voltou atrás em parte. Revogou a classificação de ultrassecreto que havia sido dada a diversos documentos do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Mas, a maior parte continua secreta. Hoje, a Sabesp também recuou parcialmente de alguns sigilos e abriu lista de 544 locais na região metropolitana onde fez conexões especiais para que não falte água em caso de rodízio oficial no abastecimento

Além de dados do Metrô, da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado), o governo de São Paulo decretou o sigilo de documentos da PM (Polícia Militar).

O carimbo não vale só para papéis que possam colocar a população em risco – como prevê a lei – mas também para informações financeiras e administrativas da PM.

Os sigilos variam entre 5 e 15 anos e impedem, por exemplo, a divulgação de dados como planejamento e execuções orçamentárias, agenda do comandante-geral e distribuição do efetivo em bairros onde há mais registro de crimes. Ao todo, foram colocados em sigilo 26 assuntos de 87 documentos da corporação que incluem informações administrativas e financeiras.

Enquanto isso, a investigação da Corregedoria da Polícia Militar, que apura a chacina que matou 19 vítimas no último 13 de agosto nas cidades de Barueri e o Osasco, na Grande São Paulo, expôs todos os dados pessoais das testemunhas que prestaram depoimento contra os PMs suspeitos no caso.

Ao menos quatro pessoas teriam tido seus nomes completos, endereços e telefones publicados no processo que segue na Justiça Militar – sem sigilo.

Um tenente de reserva, uma das testemunhas do crime, contou ao jornal Folha de S.Paulo que já recebeu ameaças de morte pelas redes sociais e em ligações anônimas – ele diz que processará o estado pela revelação de seus dados e por danos morais.

A Lei de Acesso à Informação prevê sigilo para apenas informações que afetam a segurança, que não possam ser vazadas, como é o caso de investigações ainda sigilosas em curso, e sensíveis, como relações diplomáticas. Ninguém pede que o esquema de segurança do governador ou do Comandante da PM sejam expostos, mas colocar no mesmo balaio de sigilo até atividades administrativas da PM é uma aberração. Pior é não informar como funcionam e as deficiências dos serviços públicos como transporte de massa e abastecimento de água.

Se fosse um governo petista a imprensa tradicional diria ser uma “ditadura bolivariana” para acobertar malfeitos, apesar de o termo bolivariano nada ter a ver com ditadura. Mais apropriado é dar o nome certo aos bois certos. Em São Paulo, o controle do Executivo sobre o Legislativo e sua blindagem pelos meios de comunicação poderiam ser chamados de “ditadura tucana” mesmo.