Pressão

Para evitar o ‘Barbosa da vez’, psicólogo pode ajudar?

O papel de Regina Brandão dentro da comissão técnica e as formas de a comissão técnica lidar com os 200 milhões de treinadores que querem ver o Brasil hexacampeão

Marcello Casal Jr/Agência Brasil CC-BY 3.0

Neymar era só alívio e choro, no ombro amigo do professor. Atuação do psicólogo do esporte vai muito além do apoio paternal de Felipão

Terminada a disputa de pênaltis e garantida a vitória do Brasil sobre o Chile, no sábado (28), o que se viu foi um monte de marmanjo às lágrimas, celebrando a classificação no sufoco. Tanto choro após tanta pressão colocou holofotes sobre o trabalho de Regina Brandão, psicóloga do esporte que compõe a comissão técnica brasileira na Copa do Mundo.

A pimenta na história foi um conjunto de declareções do núcleo duro do banco de reservas, aquele trio que comanda tudo (Luiz Felipe Scolari, Flávio Murtosa e Carlos Alberto Parreira). A um grupo de meia dúzia de jornalistas, eles expuseram a fragilidade do capitão Thiago Silva e do camisa 10 Neymar, especialmente atingidos pela pressão do tamanho de um trem.

É que, se quiserem ser campeões, os jogadores só vão ver crescer a pressão por resultado, na Copa em que o Brasil é anfitrião — e carrega um tanto de favoritismo, mesmo sem jogar o futebol mais vistoso. A vontade de fazer bonito convive com o temor de um tropeço, que culminaria com o apontamento de um ou dois bodes expiatórios.

A psicóloga declarou, após o episódio, que conversa diuturnamente com os atletas, lançando mão até de recursos como Whatsapp, e-mail e outras formas de comunicação para se manter próxima dos atletas. Conversar e sentir o clima de cada um é parte do trabalho, mas há seguramente muito mais.

Em um ambiente notadamente para quem é “durão”, em que qualquer hesitação é vista como sinônimo de fraqueza moral ou “amarelada” (quando não falta de virilidade e outras adjetivações até homofóbicas), cabe entender o que um psicólogo do esporte pode fazer por atletas como Neymar, Fred e Julio Cesar, e o papel potencial no grupo e em meio à comissão técnica.

Pra quê serve um psicólogo do esporte?

O psicólogo do esporte Rodrigo Scialfa Falcão, em entrevista ao Copa na Rede, lembra que fatores como ansiedade, concentração e a forma como cada pessoa lida com a pressão e o estresse são aspectos sobre os quais o profissional da área pode atuar. “Há pessoas que conseguem lidar com isso naturalmente. Outras, precisam treinar para saber como reagir. Há ainda quem treine mesmo sem perceber e consegue um bom desempenho.” Por outro lado, há atletas que não têm qualquer orientação a respeito.

Um trabalho assim, nesse aspecto individual, depende de mais tempo, o que funciona bem para competições longas, como um campeonato nacional. Para um torneio tiro curto, como a Copa, que dura no máximo um mês (dois, se considerado o período de concentração e preparativos), a ênfase costuma ser mais voltada a questões motivacionais e de grupo, como liderança, coesão e união, regras de convívio e comunicação.

Em qualquer caso,  psicólogo do esporte idealmente precisa compor a comissão técnica de maneira permanente. Assim como profissionais de medicina esportiva, fisiologia esportiva e outros da área de saúde, essa participação em uma equipe multidisciplinar potencializa o aproveitamento do trabalho.

A também psicóloga do esporte Valéria Sapienza afirma que a ênfase da atuação do profissional da área varia a depender do tempo de trabalho, seja em curto, seja em médio, seja em longo prazo. “É possível, sim, fazer a diferença em qualquer tipo de situação, basta o atleta acreditar no trabalho e seguir as orientações passadas”, garante Valéria.

Valéria compara a necessidade de os atletas levarem a sério as recomendações com o que acontece com as determinações de preparadores físicos, médicos e outros membros da comissão técnica. Se seguir o combinado, a intervenção funciona.

Deixando claro que não poderia fazer referência ao trabalho de Regina Brandão, por não ter acesso aos detalhes da atuação da profissional, Rodrigo Falcão conta que o trabalho de um psicólogo do esporte costuma partir da realização de testes e questionários para traçar o perfil de cada atleta. Esses testes são apenas parâmetros para intervenções seguintes, que precisam estar sempre sintonizadas com a comissão técnica. “A partir das informações coletadas, tenho certeza de que a Regina passa sugestões para o Felipão usar com cada jogador”, supõe Falcão.

Além desse tipo de orientação, pode haver recomendações de exercícios de respiração e de relaxamento, segundo explica Valéria Sapienza. São instrumentos comumente usados para vésperas de momentos decisivos, por exemplo. “Para motivar, existem exercícios de imaginação, onde se incentiva os atletas a imaginar situações de sucesso e de resultado positivo esperado, como um chute ao gol bem executado na disputa de pênaltis, por exemplo”, descreve a psicóloga.

 

Pós-pênaltis

Em um contexto como o da seleção brasileira, em que o grupo passou por muita pressão, choro e ranger de dentes, o papel do psicologo do esporte tem tudo para ganhar importância. “Os jogadores superaram uma etapa da competição, venceram a pressão interna e externa, e isso pode ser usado para fortalecer o grupo e a união de seus integrantes”, avalia Falcão.

O trabalho do psicólogo e da comissão técnica tende a ser no sentido de resgatar e valorizar a confiança, para garantir que esse atributo permaneça dentro da seleção. “A pressão não vai passar”, avisa Falcão. “São 200 milhões em cima deles (jogadores e comissão técnica) e ninguém quer ser o ‘Barbosa da vez’, o bode expiatório que leva a culpa.”

A referência é à maior injustiça da história do futebol brasileira, cometida contra o goleiro Barbosa, que defendia a meta brasileira na partida decisiva da Copa de 1950 contra o Uruguai. O time brasileiro poderia empatar para se sagrar campeão, mas sofreu a virada com gol de Ghiggia. Em uma leitura carregada de racismo, o arqueiro do Vasco foi acusado de ter falhado em um tiro a queima roupa e apontado como vilão. Para muitos, o intervalo de tempo em que a meta brasileira ficou sem ser defendida por goleiros negros em copas do mundo (Dida, em 2006, foi o primeiro desde Barbosa) tem a ver com o episódio.

No caso desta atual Copa no Brasil, os jogadores estão pressionados, perto de seus limites físico e emocional. “Não é o caso de falar em corpo mole ou falta de entrega, em meu modo de ver. Todo mundo ali está fazendo seu melhor”, pondera.