Precisa melhorar muito

Será que os carros elétricos são a melhor opção para a mobilidade sustentável?

Apesar do apelo de sustentabilidade, esses veículos representam impacto ambiental 74% maior que os movidos a gasolina, segundo especialista. Sindicato defende investimento em pesquisa para produção nacional de carros verdadeiramente benéficos ao planeta

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
Eletricidade para carregar a bateria pode ter sido gerada com a queima de combustíveis fósseis em termelétricas

São Paulo – O carro elétrico parece que veio para ficar. Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), o número desses veículos em circulação no país cresceu 23% nos primeiros sete meses do ano. Os fabricantes estão jogando pesado em publicidade, e os modelos surgem em programas de TV e até nas novelas do horário nobre. O apelo é sempre o mesmo: um veículo moderno, movido a energia limpa, para substituir aqueles movidos a combustíveis fósseis, como a gasolina e o diesel. Assim, aposentariam aqueles emissores de gases de efeito estufa causadores do aquecimento global e das mudanças climáticas.

O movimento é mundial. Na França, o governo de Emmanuel Macron propôs incentivos financeiros para a compra de carros eletrificados, mas desde que fabricados na Europa. Um valor em torno de 20 bilhões de euros, ou R$ 116 bilhões. O objetivo, segundo Macron, é o fim dos combustíveis fósseis.

No entanto, esses veículos são mais um produto da indústria, que pega carona em uma nova demanda de mercado e pretende faturar alto sem a menor preocupação socioambiental. E a sustentabilidade, segundo especialistas, está apenas na propaganda. “Um grande problema dos carros elétricos são as baterias, gigantes, à base de lítio e outros minierais, como níquel e manganês, por exemplo”, disse a especialista em meio ambiente Roberta Graf, servidora do Ibama e integrante da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema). A entidade representa os servidores do Ibama e os Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio).

Carro elétrico e bateria altamente poluente

Entretanto, a questão não é o tamanho, como ressaltou. É o impacto socioambiental causado em todo o processo de produção dessa bateria e em seu descarte. “Para se fazer apenas 80 baterias é necessário uma tonelada de lítio. E essa extração consome 2,1 milhoes de litros de água. Além disso tem de utilizar produtos químicos altamente tóxicos”, disse a especialista, em entrevista a Gustavo Conde no programa Giro das 11, transmitido pela TVT (confira íntegra na entrevista no final da reportagem).

“Tem ainda muita escravização no Congo para extrair cobalto, outro mineral muito utilizado nessas baterias”, destacou, lembrando que a vida útil, por enquanto, é de 8 anos. E que a reciclagem, principalmente no Brasil, é incipiente. “Vai ser reciclado? Quase nada nesse mundo é reciclado. Pouquíssimos países têm logística reversa para reciclar”, alertou.

O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), Wellington Messias Damasceno, chama atenção para um aspecto importante por trás do combustível que teria tudo para ser “verde”: o chamado conceito do poço à roda, envolvido diretamente com as emissões de gases de efeito estufa que devem ser brecadas para salvar a vida no planeta. Ou seja, o uso de combustíveis fósseis na produção e no uso dos veículos movidos a gasolina e óleo diesel pode estar, sim, nos carros elétricos.

Combustível fóssil na eletricidade do carro?

“Isso vai depender das fontes de energia utilizadas. E se a energia para recarregar as baterias vier de termelétricas?”, questionou, lembrando que essas usinas produzem energia elétrica a partir da queima de carvão, óleo combustível e gás natural – que emitem os gases das mudanças climáticas. Ou seja, se vier da queima desses combustíveis fósseis, será como trocar seis por meia dúzia. Essa eletricidade que moveria os carros elétricos traria igual sacrifício para a natureza.

É com base nesse tipo de consideração que já há cálculos levantando indícios de que esses veículos eletrificados seriam mais uma alternativa de sustentabilidade apenas para os cofres dos fabricantes. Na ponta do lápis, o veículo eletrificado tem impacto ambiental 74% maior quando comparado com o carro movido a gasolina, uma das vilãs do aquecimento global e mudanças climáticas. Segundo a ambientalista Roberta Graf, que apresentou os dados, a diferença pode ser ainda maior em comparação com o motor movido a etanol, descontando-se ainda os danos socioambientais com a produção da cana, aspectos que podem ser corrigidos com políticas e investimentos.

Máfia do petróleo

A especialista em meio ambiente fez uma ressalva, porém. Essas considerações todas não se aplicariam a trens e ônibus eletrificados, justamente pelo caráter coletivo desses veículos, bem ao contrário dos carros. “O carro elétrico é antiambiental, individual, para o consumo capitalista. É greenswashing mesmo, pra inglês ver. Estamos ajudando o planeta com ele? O que precisa mesmo é mudar todo o nosso sistema de transporte, a começar pelo nosso modelo de carga. Deveria ser tudo trem. Por caminhões é um absurdo, que tem a ver com a máfia do petróleo, que está associada ao asfalto, que vem do petróleo”, disse.

O diretor do sindicato dos metalúrgicos do ABC, porém, defende investimentos em pesquisa para o desenvolvimento de tecnologia para uma produção realmente limpa. E isso em empresas nacionais, para geração de empregos de qualidade no Brasil, para os brasileiros. “Precisamos parar de copiar. A gente tem capacidade de reduzir a carbonização, fazer a logística reversa e aumentar a vida das baterias. O Brasil não é só mercado consumidor”, ressaltou.

Apesar do número crescente de proprietários – o Brasil tem até associação – o setor ainda não é regulado no país. Há projeto de lei (PL 6.020/2019) em tramitação no Senado, que incentiva a pesquisa e o desenvolvimento dos veículos elétricos no país, criando inclusive uma política de incentivo tributário. E diversas políticas pontuais, em estados e municípios. Mas está tudo no começo, ao contrário dos carros elétricos, que chegaram atropelando e colocando as carroças na frente do bois.

Confira entrevista sobre as falácias do carro elétrico